O que é e o que deveria ser

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O leitor Gilmar Rodrigues escreveu o seguinte comentário:

"Em pauta, o debate ad eternun entre o que é e o que deveria ser, entre o que temos e o que queremos. Nada de novo no rugir das tempestades, Moacir de Góes fazia essa observação a vinte anos. Que os colegas professores e pedagogos (um é diferente do outro) percebam o abismo entre o ensino jurídico no Brasil e a construção do pensamento crítico, percebam que avaliação não é verificação, que as mudanças primeiras sejam no ensino e posteriormente na avaliação, que o Direito seja construido pelos princípios e não pelos códigos, tenha a mobilidade dos tempos e não o engessamento dos tribunais.

PARABÉNS pelo blog e pelas idéias."

Vou tomar a liberdade de complementar o que ele escreveu com o seguinte:

Há uma crença generalizada de que tudo o que a maioria das pessoas pensam, acreditam ou fazem deve ser considerado normal, correto, verdadeiro guia para a orientação individual, mesmo que isso implique em sofrimento, dor ou decepção sem que o conjunto de pessoas tenha a real percepção da natureza negativa desses valores, chama-se normose.

Um exemplo claro disso é o hábito de fumar, que, durante décadas foi considerado normal, bonito, "chic".

Outro exemplo? O ensino jurídico brasileiro, tal como apontou o leitor Gilmar Rodrigues.

Existem hoje aproximadamente 1.100 faculdades de direito no Brasil. Muito mais do que as quase 300 nos Estados Unidos, que possuem uma população e uma economia muitíssimo maiores que a nossa.

O exame de ordem é apenas um elemento de normalização do sistema. Se todos os bacharéis de direito automaticamente, quando formados, fossem advogados, teríamos quatro milhões seiscentos e cinquenta mil advogados no país. Naturalmente que isso seria uma anomalia explícita.

Ao invés de se regular o excesso de cursos, (para o MEC está tudo certo), institui-se um exame de ordem para regular o sistema. O perverso nisso é que milhões de bacharéis que investiram altas somas em sua formação são vítimas de um ensino precário, barato e rasteiro. O próprio Presidente da OAB Federal chama isso de estelionato educacional. O problema é que ninguém, repito, ninguém, toda uma atitude concreta.

Deixemos de amenidades. Não é bom que tantos e tantos profissionais do direito encontrem um emprego como professor em uma faculdade ou em um cursinho preparatório? Que uma parte deles são conselheiros da OAB? Que muitos políticos de pequena e grande fama são donos de faculdades? Que centenas de cursos jurídicos encontraram o grande filão do ganha-pão?

A lógica é uma só: o ensino jurídico hoje é regido por uma relação de poder, em que uma elite (elite jurídico-política) ganha muito dinheiro aproveitando da normose em que se tornou nosso ensino jurídico. Para não saturar e destruir o mercado da advocacia, institui-se o exame, que é necessário sim, mas o é na medida em que o próprio sistema de ensino apresenta-se doente, saturado.

Meu prognóstico quanto ao grau de dificuldade do exame é um só: quanto mais bacharéis, mais difícil a prova. Simples assim. E desistam aqueles que acham que o exame vai acabar. Não vai. Estruturalmente não há possibilidade disso ocorrer, e mesmo que o Congresso Nacional aprove seu fim, o Presidente da República, seja ele quem for, vetará.

E é claro que a corda, ao fim, sempre arrebenta para o lado mais fraco, nesse esforço de manter a "normalidade" do sistema. Calculem o prejuízo familiar, econômico, moral e pessoal de uma pessoa que investe muito em um curso para não obter nenhum retorno. Multiplique isso por 4 milhões! Está desenhada, escrita e acabada uma bela tragédia, que aparentemente não comove ninguém.

Tristes tempos...

4 comentários:

Anônimo,  18 de maio de 2009 às 17:31  

Trata-se, em verdade, de uma situação peculiar. E as amenidades mencionadas no texto, podem servir de base para um pequeno exemplo.

O discurso do Órgão Supremo da OAB (seu egrégio Conselho Federal), e de todas as suas seccionais, é o de que o exame serve para melhorar (leia-se, padronizar o ensino do direito no país).

As indagações são as seguintes:

E se de repente, todos os examinandos lograssem aprovação?
Isso não é impossível, todos são capazes.

Será que o sistema teria que expurgar periódicamente seus membros para poder respirar, como na hipótese de exames periódicos para todos os advogados, sendo a aprovação condição de permanência como inscrito?

Não sei se muitos advogados, na realidade quase a maioria, inscritos na OAB conseguiriam lograr a provação, e nem se diga que o exame de ordem sempre existiu, pois o exame previsto no estatuto anterior (lei 4215/63) era resível.

Tenho que o exame deve existir, mas não apenas para os que ingressam na carreira, mas também para os que dela já fazem parte. Um lapso de tempo razoável seria a realização da prova por advogados de 3 em 3 anos.

Não entendo o exame como uma reserva de mercado. É que o munus advocatício defende a essência do "due process clause", ou seja, vida, liberdade, família e propriedade.

Permitir que instituições com esse jaez de importância sejam malferidas por inépcia o que equivale a inexistência de defesa técnica, é permitir que o poderio econômico vença sempre, pois os economicamente mais forte jamais prescindirão de um expert jurídico.

Já basta a desigualdade e a injustiça reinante na justiça laboral (que fazem os ossos de Evaristo de Morais se revirarem) e nos Juizados Especiais cujo valor da causa seja inferior a 20 salários mínimos.

T.

Anônimo,  18 de maio de 2009 às 18:27  

Gilmar Rodrigues, eu também acho que o exame não vai acabar jamais, só que não vai acabar porque o Congresso Nacional é composto, na sua maioria, por advogados, e são raros, em se tratando do exame de ordem, os advogado que não são corporativistas, e acabar com o exame significaria um brutal aumento de concorrência para eles. Portanto, nunca o Congresso aprovará Projeto de Lei que extingua o exame, mas se aprovasse não significaria que o Prsidente veratia. Você sabe que o Presidente Collor vetou projeto de Lei que criava o exame e o Congresso derrobou o veto? O exame, pelo menos no formato que é, não fosse a defesa da reserva de mercado que a OAB faz, deveria acabar, sim.

Anônimo,  18 de maio de 2009 às 19:35  

Tb coloquei sobre isso em 1 forum do orkut. Não adianta brigar pelo fim. Tem q tentar melhorar. O Exame no Br é fruto do q somos. O MEC sem assumir seu papel fiscal sério e a OAB buscando poder e dinheiro. É assim q o mundo gira e temos q nos adaptar e tentar fazer isso de forma mais eficiente. Nos EUA o Exame é por condado da atuação. Isso sim seria sério!!!!
EUMESMO

Lustato Tenterrara 20 de maio de 2009 às 23:05  

Excelente abordagem Maurício.

Parabéns.

abraço.
Lustato

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