Laboratório Schering indenizará consumidora que engravidou tomando anticoncepcional

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O Laboratório Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. deverá pagar indenização no valor de R$ 70 mil, por danos morais, a uma consumidora que engravidou utilizando o anticoncepcional Microvlar, conhecido como “pílula de farinha”. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu a recurso da empresa e manteve a decisão de segunda instância que responsabilizou a empresa pela gravidez, já que esta foi negligente no descarte dos materiais que não deveriam ter chegado aos consumidores, ainda que por ato de interposta pessoa. 

O caso das "pílulas de farinha" – como ficou conhecido o fato resultante da fabricação de pílulas para o teste de uma máquina embaladora do laboratório, mas que acabaram chegando ao mercado para consumo – aconteceu em 1998. 

A consumidora ajuizou ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Ela afirmou que fazia uso do anticoncepcional desde 1984, sem jamais ter ocorrido qualquer percalço. Porém, em março de 1998, ela foi surpreendida por uma gravidez completamente inesperada, o que foi causa de grande angústia, pois seu filho anterior nasceu com uma doença grave que é geneticamente transmitida e, por isso, houve a opção do casal pela utilização de contraceptivo. Segundo ela, a explicação para tal fato só veio à tona a partir de junho do mesmo ano, quando teve início a divulgação pela imprensa dos fatos relacionados à produção de comprimidos inativos. Por fim, argumentou ter comprado o medicamento em farmácia da região de Mauá (SP), onde mora, mas não guardou a caixa ou o “blister” já utilizado.
A empresa, por sua vez, alegou que o placebo foi produzido sob total controle da empresa, que era impossível inserir qualquer elemento de identificação do produto como sendo material de teste e que todos os comprimidos deveriam ter sido incinerados e, se não o foram, há indícios de conduta criminosa atribuível a terceiros. 

Em primeira instância, o pedido foi negado, já que a consumidora não apresentou a cartela do anticoncepcional sem princípio ativo, prova essa entendida como fundamental para o sucesso da pretensão inicial. 

A consumidora apelou da sentença. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proveu a apelação ao entendimento de que a apresentação da cartela consumida do produto adulterado não era essencial, pois é normal que as pessoas se desfaçam delas após o uso, existindo prova suficiente da utilização regular do medicamento por parte da autora há muitos anos. Para o TJ, a concepção ocorreu justamente na época do vazamento dos “placebos” e na cidade de Mauá, onde se deu o maior foco de denúncias a respeito do problema. No mesmo sentido, a ausência de lotes de teste na listagem de compra de medicamentos da farmácia onde a consumidora teria adquirido o produto não afasta a responsabilidade da empresa, pois esta foi negligente. Além da indenização, o Tribunal obrigou a empresa a pagar uma pensão mensal à criança até os 21 anos.

Inconformada, a empresa recorreu ao STJ, sustentando que a consumidora não demonstrou ter posse de caixa de medicamento adulterado e que a listagem de produtos adquiridos pela farmácia apontada como intermediária na compra não indica o repasse pela empresa de produto defeituoso. Além disso, nenhum anticoncepcional tem eficácia absoluta, de forma que não está excluída a hipótese de gravidez mesmo com o uso adequado do produto ativo. Por fim, argumentou que o nascimento de uma criança, ainda que não tenha sido programado, não gera dano moral e que a compensação destes, de qualquer sorte, foi fixada em valor absurdo.

Ao analisar a questão, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que não se trata de atribuir equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de interpretar as normas processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis à espécie. A decisão do Tribunal de origem partiu das provas existentes para concluir em um certo sentido, privilegiando, com isso, o princípio da proteção ao consumidor. 

A ministra ressaltou, ainda, que o dever de compensar danos morais não fica afastado com a alegação de que a gravidez resultante da ineficácia do anticoncepcional trouxe, necessariamente, sentimentos positivos pelo surgimento de uma nova vida, porque o objeto dos autos não é discutir o dom da maternidade. Ao contrário, o produto em questão é um anticoncepcional, cuja única utilidade é evitar uma gravidez. Segundo ela, a mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais. 

Por fim, a relatora ressalvou que a alteração do valor fixado a título de compensação pelos danos morais só deve ser revista em hipótese que indique insuportável absurdo, o que não ocorre no caso.

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