Reprovação geral
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Segue um texto muitíssimo interessante do Dr. Roberto Boaventura da Silva Sá sobre a educação no Brasil. Ele traça um quadro pragmático e realista da atual situação do nosso ensino, sob uma ampla perspectiva e coloca o dedo em várias feridas que ninguém gosta de apontar, muito menos reconhecer. Vale a leitura.
No Brasil, todos já sabem o que é um vestibular, inclusive na modalidade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), imposto pelo governo Lula/PT. O Enem é mais uma adversidade aos estudantes das escolas públicas. Em outras palavras, foi a melhor forma encontrada de privilegiar os filhos das camadas ricas e das regiões sul e sudeste, mas se passando por governo democrático. É um ludíbrio quase perfeito.
Todavia, pouco se sabe do Enade, ou seja, um exame – também nacionalizado – imposto às universidades federais, para avaliação de seus cursos. Tal exame – versão petista do antigo Provão, inventado pelo governo FHC –, hoje, é realizado em duas etapas. A primeira se dá com os acadêmicos calouros. O segundo, com os formandos. A justificativa para isso é mensurar a diferença do nível de conhecimento entre os estudantes que entram e os que saem das universidades. Claro que não é preciso esforço para saber que essa diferença é mínima, quando há; aliás, há casos de déficit intelectual na saída da universidade.
Os motivos para o desastre são vários. Vão desde os baixos salários do magistério – carreira em desprestígio social – aos reais interesses que movem a maior parte dos que chegam à universidade. A maioria procura cursos superiores, única e exclusivamente, vislumbrando bom emprego ao final dessa etapa. A lógica (des)humanizadora das sociedades neoliberais já vem impregnada nas mentes da juventude, em muitos casos, já devidamente “canalhizadas” por adultos. É cruel!
O preço social que se paga por esse conjunto de coisas já é alto; e terá aumento! Afinal, só os primeiros frutos do desmonte da educação é que começaram a ser colhidos e compreendidos. Nas universidades, covarde e cinicamente, nada ou pouco se fala em termos de projeção do futuro deste país, em função deste presente já desastroso na educação que se oferta. É inacreditável, mas há pedagogos, principalmente, fingindo-se de cegos, ou se preferir a linguagem escorregadia do politicamente correto, de “portadores de deficiência visual”. É como se o futuro não viesse a existir.
Sendo assim, diante da limitada perspectiva intelectual por parte de muita gente que chega à universidade, é óbvio que, ao final, a frustração é também para muitos. A busca consciente por conhecimento é restrita a poucos. Por isso, os maus resultados do ENADE são visíveis, tendendo a piorar. Os exames da OAB, há anos, mostram a situação de calamidade na área do Direito. Agora, recentes provas feitas pelo Conselho de Medicina/São Paulo também expuseram o tamanho da ferida entre médicos. Dos que prestaram aquele exame, mais da metade reprovou. Muitos não responderam questões básicas. A Medicina – transformada em balcão de negócio em várias áreas – está entrando na UTI. Se nada mudar na concepção do papel social do médico, daqui a duas ou três décadas, em que pesem as altas tecnologias, paradoxalmente, viveremos a barbárie no setor. Das áreas pedagógicas, o mínimo que se pode dizer, com exceções, é que uma legião de ignorantes – muitos formados a distância – é diplomada a cada momento para atuar na deformação geral do país. É o caos.
Em meio a esse caos, outro problema começa a explodir na ponta supostamente alta da pirâmide educacional, ou seja, avaliadores também já apresentam sérios problemas de formação e honestidade acadêmicas. O exemplo mais recente ocorreu justamente no Enade: 53 questões tiveram de ser anuladas. Motivos: perguntas ideológicas (pró-governistas) e de enunciados mal-feitos, além de respostas dúbias.
Em suma, avaliadores de provas oficiais – bem remunerados – estão sendo reprovados, conforme opinião também de um dos editoriais da Folha de São Paulo, em 07/01/2010. Enfim, na educação brasileira, a reprovação é geral. Por isso, a falência do setor precisa ser decretada, oficial e urgentemente. Só assim, pararemos de fingir, podendo rever os rumos errados para revertê-los. Caso contrário, o desastre na educação ultrapassará as profundezas do Pré-Sal. Está bem perto. Será um “salve-se quem puder”.
* ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ, Dr. em Jornalismo/USP. É Prof. de Literatura da UFMT
Fonte: Diário de Cuiabá
Todavia, pouco se sabe do Enade, ou seja, um exame – também nacionalizado – imposto às universidades federais, para avaliação de seus cursos. Tal exame – versão petista do antigo Provão, inventado pelo governo FHC –, hoje, é realizado em duas etapas. A primeira se dá com os acadêmicos calouros. O segundo, com os formandos. A justificativa para isso é mensurar a diferença do nível de conhecimento entre os estudantes que entram e os que saem das universidades. Claro que não é preciso esforço para saber que essa diferença é mínima, quando há; aliás, há casos de déficit intelectual na saída da universidade.
Os motivos para o desastre são vários. Vão desde os baixos salários do magistério – carreira em desprestígio social – aos reais interesses que movem a maior parte dos que chegam à universidade. A maioria procura cursos superiores, única e exclusivamente, vislumbrando bom emprego ao final dessa etapa. A lógica (des)humanizadora das sociedades neoliberais já vem impregnada nas mentes da juventude, em muitos casos, já devidamente “canalhizadas” por adultos. É cruel!
O preço social que se paga por esse conjunto de coisas já é alto; e terá aumento! Afinal, só os primeiros frutos do desmonte da educação é que começaram a ser colhidos e compreendidos. Nas universidades, covarde e cinicamente, nada ou pouco se fala em termos de projeção do futuro deste país, em função deste presente já desastroso na educação que se oferta. É inacreditável, mas há pedagogos, principalmente, fingindo-se de cegos, ou se preferir a linguagem escorregadia do politicamente correto, de “portadores de deficiência visual”. É como se o futuro não viesse a existir.
Sendo assim, diante da limitada perspectiva intelectual por parte de muita gente que chega à universidade, é óbvio que, ao final, a frustração é também para muitos. A busca consciente por conhecimento é restrita a poucos. Por isso, os maus resultados do ENADE são visíveis, tendendo a piorar. Os exames da OAB, há anos, mostram a situação de calamidade na área do Direito. Agora, recentes provas feitas pelo Conselho de Medicina/São Paulo também expuseram o tamanho da ferida entre médicos. Dos que prestaram aquele exame, mais da metade reprovou. Muitos não responderam questões básicas. A Medicina – transformada em balcão de negócio em várias áreas – está entrando na UTI. Se nada mudar na concepção do papel social do médico, daqui a duas ou três décadas, em que pesem as altas tecnologias, paradoxalmente, viveremos a barbárie no setor. Das áreas pedagógicas, o mínimo que se pode dizer, com exceções, é que uma legião de ignorantes – muitos formados a distância – é diplomada a cada momento para atuar na deformação geral do país. É o caos.
Em meio a esse caos, outro problema começa a explodir na ponta supostamente alta da pirâmide educacional, ou seja, avaliadores também já apresentam sérios problemas de formação e honestidade acadêmicas. O exemplo mais recente ocorreu justamente no Enade: 53 questões tiveram de ser anuladas. Motivos: perguntas ideológicas (pró-governistas) e de enunciados mal-feitos, além de respostas dúbias.
Em suma, avaliadores de provas oficiais – bem remunerados – estão sendo reprovados, conforme opinião também de um dos editoriais da Folha de São Paulo, em 07/01/2010. Enfim, na educação brasileira, a reprovação é geral. Por isso, a falência do setor precisa ser decretada, oficial e urgentemente. Só assim, pararemos de fingir, podendo rever os rumos errados para revertê-los. Caso contrário, o desastre na educação ultrapassará as profundezas do Pré-Sal. Está bem perto. Será um “salve-se quem puder”.
* ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ, Dr. em Jornalismo/USP. É Prof. de Literatura da UFMT
Fonte: Diário de Cuiabá
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