Decisões judiciais e projetos de lei põem em xeque o Exame de Ordem

terça-feira, 7 de abril de 2009

Por Bruno Barata Magalhães, advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

O Exame de Ordem, instituído através da Lei Federal 8.906/94 e regulamentado pelo Provimento 81/1996 e, posteriormente, pelo Provimento 109/2005, ambos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, foi um marco divisório no Direito brasileiro, sobretudo no meio acadêmico.

Em recente decisão judicial, em sede de resolução de mérito, a 23ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro reacendeu a polêmica acerca da inconstitucionalidade da prévia aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício da advocacia.

O Mandado de Segurança, ajuizado em 2007 por seis bacharéis em Direito, reivindicava a inscrição na Seção do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil sem a necessidade de realização do Exame de Ordem.

A medida liminar foi deferida em 2007 e posteriormente suspensa pela 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Em 11 de fevereiro de 2009, no julgamento do mérito, o mencionado Juízo julgou procedente o mérito do mandado de segurança, autorizando os impetrantes a realizarem suas inscrições na respectiva Seção estadual.

De imediato, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou suspensão de execução de sentença, perante o Tribunal Federal Regional da 2ª Região, alegando que a citada decisão geraria grave insegurança pública, tendo em vista que diversos bacharéis em Direito, aproveitando-se da possibilidade de seis pessoas, na mesma situação, poderem inscrever-se sem a prévia aprovação no Exame de Ordem, protocolaram pedidos de inscrição na Seção estadual, tendo feito, inclusive, ameaças.

Em 10 de março de 2009, o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região deferiu o pedido de suspensão dos efeitos da segurança concedida, até o julgamento do Recurso de Apelação, interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Essa não foi a primeira vez que se recorreu ao do Poder Judiciário para tentar extinguir o Exame de Ordem. Em diversos estados brasileiros já foram vislumbradas medidas judiciais com o mesmo intento.

Destarte, ergue-se um movimento, não apenas capitaneado por bacharéis em Direito, mas também por magistrados, no que se refere ao conteúdo de suas decisões, vez que só agem se provocados, e por agentes políticos, que entendem o Exame de Ordem ser uma medida inconstitucional, sendo, portanto, correta sua extinção.

Projetos de lei com este objetivo são encontrados em tramitação no Congresso Nacional. Dentre eles podem-se citar os Projetos de Leis 2.195/07, 2.426/07 e o Projeto de Lei do Senado 186/2006, que revogam o inciso IV e o parágrafo 1º do artigo 8º da Lei Federal 8.906/04. As justificativas decorrem na suposta inconstitucionalidade da obrigatoriedade do Exame de Ordem, pois violaria os artigos 205 e 22, XVI, todos da Carta da República.

O maior argumento, contudo, para suposta inconstitucionalidade da realização do Exame de Ordem seria a violação à regra inserta no artigo 5º, inciso VIII, da Lei Maior, que dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Art. XIII é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Os defensores da constitucionalidade do Exame de Ordem afirmam que o próprio inciso VIII menciona, no seu final, que o livre exercício a qualquer profissão ocorrerá se atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Contudo, os defensores da inconstitucionalidade do Exame de Ordem, como pode ser verificado na justificativa do Projeto de Lei nº 2.426/07, afirmam que a definição de qualificação, no que se refere ao trabalho, está inserta na própria Constituição Federal, no artigo 250:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Por sua vez, o artigo 22, XVI, dispõe, verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XVI — organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;”

Visualiza-se, aí, um conflito interpretativo. De um lado, aqueles que serão a favor do requisito da prévia aprovação no Exame de Ordem para inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil. Do outro, aqueles que julgam tal requisito inconstitucional.

Analisando apenas a regra contida no inciso VIII do artigo 5º da Lei Maior, verifica-se que o legislador constituinte previu a edição de lei infraconstitucional, portanto, lei ordinária federal, a fim de regulamentar determinada profissão.
Aliás, é fundamental ressaltar que o exercício da advocacia é uma profissão, não um trabalho. Os advogados formam uma classe, portanto, uma categoria de profissionais, representados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Não se pode conferir ao artigo 250 da Constituição Federal a interpretação ampla que se quer por aqueles que defendem a inconstitucionalidade do Exame de Ordem. Segundo eles, conforme o dispositivo supracitado, os estabelecimentos de ensino, fornecedores da educação, são competentes para qualificar o cidadão para o exercício profissional.

Entretanto, se melhor analisado, o dispositivo apenas dispõe que a educação será promovida e incentivada visando a qualificação do trabalho, o que significa dizer que o objetivo de oferecer educação ao cidadão é fazê-lo uma pessoa melhor, sobretudo na sua atividade laboral. Não se vislumbra qualquer afronta a esta norma constitucional a determinação inserta no artigo 8º, caput, IV, da Lei federal 8.906/94.

Enfrentadas as questões referentes à possível inconstitucionalidade do Estatuto da Advocacia no que se refere ao artigo 5º, VIII e artigo 250 da Constituição Federal, mister examinar possível afronta ao artigo 22 do mesmo diploma.

Dispõe a Lei Maior que compete a União legislar, privativamente, sobre a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões.

Inicialmente, poder-se-ia concluir com uma simples leitura do dispositivo que a União possui competência privativa legislar sobre condições para o exercício de profissões, ou seja, apenas a União poderia legislar sobre o assunto.

Contudo, é fundamental diferenciar competência privativa de competência exclusiva. A primeira admite delegação, enquanto que a última não admite, sendo, portanto, exclusiva. Como o artigo 22 da Lei Maior discorre sobre competência privativa, seria correto dizer que até os Estados-membros da República Federativa do Brasil poderiam dispor sobre as condições para o exercício de profissões, caso a eles houvesse delegação respectiva, por Lei Complementar.

Entretanto, essa análise não se aplica ao caso, tendo em vista que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil é lei ordinária federal, portanto, editada no âmbito da União.

Analisando a origem da Lei federal 8.906/94, verifica-se que sua iniciativa decorreu do Poder Legislativo, portanto, originada através de Projeto de Lei de autoria de membro daquele Poder.

O caput do artigo 48 da Constituição da República é claro ao dispor que:

“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:”
Fundamental apontar, outrossim, as competências privativas do Presidente da República, no que se refere às leis:

“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º — São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I — fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II — disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (Incluída pela Emenda Constitucional 18, de 1998)”

Destarte, verifica-se que não são de iniciativa exclusiva, sequer privativa, do Presidente da República, as leis que disponham acerca das condições para o exercício de profissões.

Uma vez não sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Federal, lei ordinária no âmbito da União que verse sobre condições para o exercício de profissões pode ser de iniciativa de parlamentar, que é o caso do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
A qualidade dos cursos de ensino superior sempre foi alvo de avaliações. O Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) conferem às instituições de ensino índices no Conceito Preliminar de Curso (CPC) e no Índice Geral de Cursos (IGC).

O INEP promove anualmente o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). O objetivo da referida avaliação é aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências.

Assim sendo, o próprio Ministério da Educação, através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, confere anualmente a qualidade dos cursos ofertados pelas instituições de ensino do Brasil através da avaliação de seus estudantes.

De encontro aos Projetos de Lei 2.195/2007, 2.426/07, 186/2006, importante citar o projeto de lei do Senado 43/2009, que visa modificar a Lei federal 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

O mencionado projeto insere novos dispositivos à lei anteriormente citada, tornando obrigatória a avaliação do aluno formado por um exame realizado pela União, em colaboração com os órgãos competentes pelo controle das atividades de trabalho da respectiva profissão. O aluno deverá realizar a prova no prazo de um ano, contado da data de sua graduação.

Restou demonstrado que a Lei Federal 8.906/94 não fere a Lei Maior. Seu projeto de lei não padeceu de vício de iniciativa. Assim sendo, a matéria foi legislada de forma correta, conferindo a Ordem dos Advogados do Brasil a capacidade de formular e coordenar o Exame de Ordem, a fim de selecionar os futuros profissionais que possuam melhor capacidade técnica para desempenhar suas funções.

Argui-se que o Exame de Ordem não avalia o bom profissional. É notório que a experiência é uma das maiores escolas da vida de qualquer ser humano. Porém, ao menos a capacidade técnica o futuro profissional deverá demonstrar que tem conhecimento, haja vista, inclusive, a prova prática que deve ser realizada, na qual o candidato deve redigir uma petição de próprio punho.

Se for questionada a capacidade que o Exame de Ordem tem para avaliar o bom profissional, dever-se-ia questionar a eficiência dos concursos públicos, conhecidos por muitos por provas de mera decoração, que avaliam apenas aquele melhor soube decorar a matéria arguida na prova, mas que, na vida prática, não exercerá corretamente sua função.

Ainda que fosse a Lei Federal 8.906/94 dotada de vícios de inconstitucionalidade, tendo em vista o princípio da segurança jurídica, amplamente invocado na atualidade, já que o Exame de Ordem é uma função positiva para a sociedade, selecionando bons profissionais para o exercício da advocacia.

O futuro do ensino no Brasil não deve ser eliminando filtros que tenham o condão de oferecer à sociedade os melhores profissionais existentes no mercado, mas sim ampliar tal conceito, de modo que todas as profissões, em colaboração com as suas entidades controladoras, promovam exames desta natureza.

Não só os consumidores desse serviço tendem a ganhar, mas também o próprio candidato, que, defronte a uma avaliação, terá a obrigação de estudar a fim de se capacitar para conseguir a aprovação necessária. E estudar nunca é demais.

4 comentários:

Anônimo,  7 de abril de 2009 às 15:45  

Embora o autor do texto faz uma comparação que os concursos públicos também devem ser questionados por sua eficiência, há que se lembrar que o exame de ordem não visa a um determinado preenchimento de vagas.
O exame não pode ser visto como um exame eliminatório para preenchimento de vagas, e sim deve ter vistas a avaliar os conhecimentos jurídicos de cada candidato, e uma prova objetiva com "peguinhas" para derrubar os candidatos ofende profundamente o próprio edital de abertura dos exames.

Anônimo,  7 de abril de 2009 às 20:37  

leio muitos comentários sobre o exame de ordem, na verdade ninguém atentou para o grande problema ou não quis falar com todas as letras, vejam bem, o concurso público vc concorre a deteminado número de vagas existente, aprovado, estará garantindo a sua subsistência, "garantia financeira", exame de ordem não te garante nada, apenas o direito de postulação, vc vai ter de correr atraz e muito para poder sobreviver. Pergunto: por que essa tarefa de separar o joio do trigo não fica a cargo da sociedade? Com certeza faria com muita sabiencia e assim essa guerra fria acabava, com todos salvos...

Unknown 7 de abril de 2009 às 23:24  

Concordo plenamente com a Constitucionalidade do Exame... E ainda apoio que todos os outros cursos de graduação também tenham exames!!!!

Se você tem capacidade de advogar, então tem capacidade de passar no Exame.

Além disso, tenho certeza que 80% dos bachareis em Direito só querem advogar por 3 anos para ter a experiencia requerida nos concursos da magistratura, MP, etc (o que não é meu caso, pois tenho o objetivo de viver da advocacia). Se o cidadão não passa no Exame vai conseguir passar em concurso pra magistratura que é INFINITAMENTE mais difícil e, via de regra, são elaborados pelo CESPE (que também é severamente criticado).

No mais, reitero as últimas palavras do texto: "E estudar nunca é demais"

Rafael
castro.rafael@gmail.com

Anônimo,  8 de abril de 2009 às 07:47  

"Estudar nunca é demais", estou de pleno acordo, o que incomoda na verdade é essa guerra em relação ao exame de ordem, se não vejamos: legal, ilegal, constitucional, inconstitucional, imoral, etc, porém, acredito que ainda fizeram uma consulta ao STF, vivemos e comprovamos décadas, nossos políticos brincando e bordando com os mandatos, virava balção de negócios, estavam negociando o que não lhes pertenciam, bom, bastou uma consulta ao STF, acabou a farra. Pergunto: por que ainda não fizeram uma consulta ao STF quanto a legalidade ou não desse exame.

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