Natureza jurídica do CNJ - Decisão em Mandado de Segurança

segunda-feira, 2 de junho de 2008


MS 27148 MC/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, proferida pelo E. Conselho Nacional de Justiça nos autos do Pedido de Providências nº 2007.2000.0005427, está assim ementada (fls. 286):

“‘Recurso Administrativo em Pedido de Providência. Arquivamento determinado em decisão monocrática. Argüição de suspeição em processo judicial. Incompetência do CNJ.’ – ‘A argüição de suspeição é um incidente processual que em nada se relaciona com as questões administrativas do Poder Judiciário para as quais este Conselho tem competência estabelecida constitucionalmente para atuar’ (CNJ – RAPP 5427 - Rel. Cons. Andréa Pachá – 48ª Sessão - j. 23.10.2007).” (grifei)

A eminente Conselheira ANDRÉA MACIEL PACHÁ, Relatora do referido Pedido de Providências, ao fundamentar o seu voto, quando do julgamento colegiado do recurso administrativo deduzido pelos ora impetrantes, apoiou-se nos seguintes fundamentos (fls. 286/287):

“A matéria objeto do presente Pedido de Providências é de natureza processual, como bem recordam os requerentes que amparam sua insurgência nos dispositivos do Código de Processo Civil.
As decisões dos magistrados no âmbito do processo não são passíveis de revisão pelo CNJ, cuja competência, como bem ressaltaram os requerentes, cinge-se à esfera administrativa, envolvendo também a fiscalização da atuação funcional do Juiz.
Neste sentido foi a fundamentação da decisão do Juiz Auxiliar da Presidência, atuando com fundamento na Portaria 23, emitida pela Ministra Presidente do CNJ:

‘Com efeito, a competência fixada para este Conselho é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, pelo que não pode intervir em conteúdo de decisão judicial, seja para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, seja para inibir o exercício regular dos órgãos investidos de jurisdição. Para reverter eventuais provimentos que considera incorretos, ilegais ou desfavoráveis aos seus interesses, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados.’

Claro está que no presente caso os requerentes argüiram suspeição da Juíza, seguindo a tramitação processual regular, não havendo qualquer medida, pelo menos a partir dos fatos narrados, que possam ensejar a atuação do CNJ.
Em outras palavras, não há nenhuma correção a ser providenciada na postura da juíza Lilia Simone Rodrigues da Costa Vieira, pois não foi relatada ofensa de deveres funcionais do magistrado, sendo possível que no âmbito do processo ela tenha atuado de modo a contrariar os interesses dos requerentes, situação que deve ser coibida com o manejo dos recursos previstos no ordenamento jurídico.
O que pretendem os requerentes é que o CNJ determine a suspensão do processo judicial onde foi argüida a suspeição da Juíza. O pedido é inadmissível como já restou consignado na decisão atacada.
Por tais razões, mantenho integralmente a decisão recorrida, pelos próprios e jurídicos fundamentos e julgo improcedente o presente recurso.” (grifei)

Passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado nesta causa, analisando, desde logo, questão que se erige como pressuposto necessário ao reconhecimento do direito vindicado neste “writ” mandamental, consistente na verificação da possibilidade, ou não, de o Conselho Nacional de Justiça – considerada a existência de exceções de suspeição opostas pelos ora impetrantes – intervir em processos de natureza jurisdicional (ação negatória de paternidade e ação de regulamentação de visitas), com a finalidade de “(...) suspender os processos e anular os atos ilegais praticados, e afastar a juíza exceta, examinando as exceções opostas (...), com os processos voltando à sua normalidade (...)” (fls. 240 – grifei).

Não se desconhece que o Conselho Nacional de Justiça – embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário – qualifica-se como órgão de caráter administrativo, não dispondo de atribuições institucionais que lhe permitam exercer fiscalização da atividade jurisdicional dos magistrados e Tribunais.

Esse entendimento – que põe em destaque o perfil estritamente administrativo do Conselho Nacional de Justiça e que não lhe reconhece competência constitucional para intervir, legitimamente, em matéria de índole jurisdicional (SERGIO BERMUDES, “A Reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional nº 45”, p. 19/20, item n. 2, 2005, Forense) – foi bem sintetizado na lição de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (“Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional”, p. 302, item n. 2, 2006, RT):

“Conselho Nacional de Justiça. Natureza jurídica. O CNJ é órgão do Poder Judiciário (...), mas ‘sem jurisdição’, vale dizer, é órgão judicial mas não jurisdicional. Órgão administrativo de controle externo do Poder Judiciário e da atividade da Magistratura (...), o CNJ não tem função jurisdicional, cabendo-lhe fiscalizar a gestão financeira e administrativa do Poder Judiciário e o cumprimento do dever funcional dos juízes (...). Ao CNJ não cabe controlar a ‘função jurisdicional’ do Poder Judiciário e de seus membros, razão por que não pode rever nem modificar decisão judicial, isto é, não tem competência recursal (...).” (grifei)

Essa orientação doutrinária, por sua vez, fundada no magistério de autores eminentes (UADI LAMMÊGO BULOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 1.089/1.094, item n. 6.8.1, 2007, Saraiva; NAGIB SLAIBI FILHO, “Reforma da Justiça”, p. 283/284, item n. 3, 2005, Impetus; ERIK FREDERICO GRAMSTRUP, “Conselho Nacional de Justiça e Controle Externo”, “in” “Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004”, coordenação de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER, LUIZ MANOEL GOMES JR., OCTAVIO CAMPOS FISCHER e WILLIAM SANTOS FERREIRA, p. 193/194, item n. 4, 2005, RT; SYLVIO MOTTA e GUSTAVO BARCHET, “Curso de Direito Constitucional”, p. 733, item n. 6.2, 2007, Elsevier; WALBER DE MOURA AGRA, “Curso de Direito Constitucional”, p. 471/474, item n. 26.18, 2007, Forense), tem o beneplácito da jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou a propósito da matéria ora em exame:

“I. Mandado de segurança contra ato do Conselho Nacional de Justiça: arquivamento de petição que pretendia a anulação de decisão judicial, por alegado vício processual atribuído aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça: indeferimento.
1. Ainda que disponha o art. 103-B, § 6º, da Constituição Federal que ‘junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil’, a ausência destes às sessões do Conselho não importa em nulidade das mesmas.
2. A dispensa da lavratura do acórdão (RICNJ, art. 103, § 3º), quando mantido o pronunciamento do relator da decisão recorrida pelo Plenário, não traduz ausência de fundamentação:
II. Conselho Nacional de Justiça: competência restrita ao controle de atuação administrativa e financeira dos órgãos do Poder Judiciário a ele sujeitos.”
(MS 25.879-AgR/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“(...) 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos arts. 102, ‘caput’, inc. I, letra ‘r’, e 103-B, § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito.”
(RTJ 197/839-840, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)

As razões ora expostas revelam-se suficientes para justificar, em juízo de sumária cognição, o indeferimento da pretensão cautelar ora deduzida na presente causa.

É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.

Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID - grifei)

Sendo assim, e por entender ausente o requisito pertinente à plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora em exame, indefiro o pedido de medida liminar.

2. Solicitem-se informações ao órgão ora apontado como coator, encaminhando-se-lhe cópia da presente decisão.

Publique-se.

Brasília, 16 de maio de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJE de 26.5.2008
Fonte: STF

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