
Artigo enviado ao Blog Exame de Ordem por Luiz Carlos de Assis Júnior (foto). Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus/BA. Aprovado no Exame de Ordem 02/2008.
1 INTRODUÇÃO
A advocacia possui características próprias e distintivas, dentre as quais se destaca o Exame de Ordem.
Alvo de críticas por uns e aplausos por outros, o Exame de Ordem tornou-se obrigatório no Brasil a partir da promulgação da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, sendo a aprovação no exame requisito necessário para a inscrição como advogado.
As principais críticas dispensadas ao exame de ordem são de natureza constitucional, em que se questiona justamente a sua (in)constitucionalidade, pois, levando-se em conta que o estudante de curso jurídico seria qualificado para a advocacia, não deveria encontrar óbice no exame de ordem para o exercício dessa profissão. Cumpre indagar, contudo, qual a finalidade dos cursos jurídicos, formar bacharéis em direito, ou formar advogados? Este problema será essencial no desenvolvimento deste trabalho.
Por outro lado, acredita-se que a autorização para o Exame de Ordem emana da própria Carta Magna, estando por ela avalizada, como será demonstrado.
Mais que isso, o Exame de Ordem não é restrito ao Brasil, sequer é uma novidade, eis que, além de seu caráter obrigatório na maior parte do mundo, variando em forma e dificuldade, o início de sua existência nos remete a uma breve análise da história da advocacia em Roma a fim de que se possa compreender seu atual prestígio.
2 UMA PÁGINA DE HISTÓRIA
Apesar das notícias que se tem de grandes homens dotados de eloqüência e poder de convencimento na Grécia Antiga, Hélcio Madeira (2002) ensina que foi em Roma que a advocacia ganhou delineamentos definitivos, passando a ser considerada profissão honrosa e necessária à organização do Estado.
A importância do advogado para a sociedade é universalmente reconhecida e, desde a Antiguidade, quando a força bruta em batalha significava glória para uma pátria, o advocatus mereceu destaque. É o que se pode aferir do seguinte trecho da constituição imperial dada em Constantinopla pelos imperadores Leão e Artêmio, no 5º dia das calendas de abril do ano de 469:
Os advogados que esclarecem as questões duvidosas e que, pelo vigor das suas defesas, tanto nas causas públicas quanto privadas, põem a salvo os bens que estavam perdidos e recuperam os que estão em perigo, são tão importantes ao gênero humano como aqueles que salvam a pátria e os antepassados em meio a batalhas e ferimento. Não cremos, pois, que militam no nosso império somente aqueles que se esforçam com espadas, escudos e armaduras, mas também os advogados, patronos das causas que, confiantes na fortaleza de sua gloriosa palavra, defendem a esperança e a vida daqueles que sofrem, bem como o futuro de seus pósteros. (MADEIRA, 2002. p. 80).
No Alto Império preponderava a idéia do trabalho livre e sem remuneração, pois, conforme a moral romana da época, viver de paga alheia igualava o homem livre ao escravo. Daí chamarem as atividades consideradas apropriadas para um homem livre de artes liberales, sem nenhuma remuneração. (MADEIRA, 2002)
A advocacia, por sua vez, era uma espécie de artes liberales, mas só poderia se exclusivamente exercida por homens livres, ou seja, não se admitiam escravos ou libertos como advogados. Eis, portanto, uma das primeiras restrições ao exercício da advocacia: o requisito de ser homem livre.
Os três primeiros séculos d.C. foram uma espécie de período de transição para o ofício da advocatio, pois, lentamente, ela deixa de ser artes liberales para se tornar essencialmente uma profissão liberal, passando a ser uma atividade cobiçada das várias camadas sociais espalhadas no vasto império romano. (MADEIRA, 2002)
Contudo, não havia, ainda, regulamentação do exercício da profissão, o que, segundo Hélcio Madeira (2002), facilitava o seu acesso, acarretando numa certa degradação na formação dos advogados, freqüentemente ignorantes e alvos de repreensões imperiais. Imperava a necessidade de se regulamentar a profissão, instituir requisitos e pressupostos sem os quais não se poderia exercer a advocacia.
Com o intuito de bem definir a atividade daqueles operadores do direito, no Baixo Império, o imperador Justino I institucionalizou os denominados collegium (também conhecidos como ordo, consortium, corpus, toga, advocatio, e matricula), a primeira ordem dos advogados. Lembra Hélcio Madeira (2002) que este nome, que em nada se parecia com corporação ou ofício, tinha razão de ser, pois, a ordem se acomodava – como hoje – ao conceito de disciplina que pairava na advocacia do século VI.
As inscrições nas ordo ocorriam em ordem de antiguidade e em número limitado, mas não sem prévia submissão a provas e estágios. Em geral, exigia-se, além de um registro no foro, a aprovação em exame de jurisprudência, a boa reputação, não ter mancha de infâmia, o compromisso de defender quem o pretor em caso de necessidade designasse, advogar sem falsidade, não pactuar quota litis, não abandonar a defesa, uma vez aceita (PORTINHO, 2008). E mais, além do estágio obrigatório até o surgimento de uma vaga para inscrição na ordem, era necessária a permissão expressa de cada tribunal no qual se pretendia atuar.
Em suma, as ordens ou corporações estavam organizadas independentemente entre si, mas adstritas sempre a uma só jurisdição, cuja autoridade judiciária [...] exercia o poder de fiscalizá-las e, eventualmente, regulamentá-las. Cada ordem possuía cargos que eram ocupados por ordem de antiguidade, conforme as datas das inscrições dos advogados, e no preenchimento de alguma vaga na ordem, era dada preferência àquele que tinha um pai inscrito (MADEIRA, 2002).
A finalidade da criação da ordem e de regras para a inscrição como advogado eram, pelo menos duas: dar ao ofício um certo nível social e assegurar um recrutamento criterioso do ponto de vista técnico (MADEIRA, 2002. p. 70).
Nota-se, outrossim, que o rigor nas condições para o exercício da tão honrosa advocacia apenas aumentou, o que parece encontrar justificativa no valor social que o advogado representa, sendo ele fundamental para a administração da justiça.
No mesmo sentido, as ordens de advogados ganharam cada vez mais espaço e, após o Baixo Império Romano, já não mais se concebia a atividade da advocacia sem a ordem, onde os profissionais encontravam suporte para o exercício independente da profissão.
Nem toda a história das ordens de advogados, porém, foi de glória, haja vista que, no transcorrer dos tempos, elas enfrentaram ojerizas por parte de alguns imperadores, o que pode ser verificado nas Páginas Avulsas do advogado e jornalista Dário de Almeida Magalhães, nas quais está registrada a extinção da Ordem dos Advogados, em França, por Napoleão:
Os governos de força nunca toleraram o advogado, a ponto de Napoleão depois de 18 Brunário, extinguir a Ordem dos Advogados de seu país e proclamar que se deveriam lançar no Sena os homens da lei, para depois responder ao chanceler Cambrocéres, quando lhe propôs restaurá-la: enquanto tiver esta espada na cintura, não assinarei semelhante decreto. Eu quero que se corte a língua dos advogados que a usem contra o governo.
Em que pese as investidas negativas contra as ordens de advogados, elas persistiram firmes, essenciais à justiça e ao exercício da cidadania, protegendo sua classe e enfrentando a fúria de monarcas absolutistas, e nos dias atuais seu prestígio é universal.
3 A ADVOCACIA NO MUNDO
Não apenas a Ordem dos Advogados é prestigiada em todo o mundo, mas o próprio Exame de Ordem goza de prestígio unânime e importância fundamental para o exercício da advocacia universalmente.
Apesar das características próprias de cada Exame de Ordem em seu respectivo país, verifica-se que é ponto comum que o exercício da advocacia é precedido de aprovação no certame.
Na Alemanha, existem dois exames prévios à advocacia: a) o chamado Primeiro Exame do Estado, composto de prova teórica sem consuta e prova oral, que habilita o bacharel e futuro profissional para programa de estágio de no mínimo dois anos, o qual compreende trabalho rotativo como funcionário público, no gabinete de juízes, promotores, advogados e autoridades locais; b) o chamado Segundo Exame do Estado, realizado apenas após a conclusão do estágio, ele confere habilitação para a magistratura. (VASSILIEFF, 2006. p. 18)
É curioso notar que, ambos os exames só podem ser realizados duas vezes e, após a aprovação, o bacharel estará apto a requerer sua admissão na ordem local e no foro onde pretende atuar. Por outro lado, a atuação nas Altas Cortes Regionais depende de admissão específica mediante autorização concedida após indicação pela Ordem Federal dos Advogados, devendo, ainda, o advogado contar com mais de trinta e cindo anos de idade e, no mínimo, cinco anos ininterruptos de exercício da advocacia. (VASSILIEFF, 2006. p. 18-19).
Ademais, salienta Silva Vassilieff (2006) que a crítica que se faz ao sistema alemão é que ele forma primordialmente juízes, faltando aos novos advogados experiência advocatícia, parcialidade, prática na avaliação de riscos e elaboração de cálculos, pois o sistema alemão exige que o profissional do direito seja um ‘jurista pleno’, aprovado no exame da magistratura antes de poder optar pela advocacia.
Em França, explica Sílvia Vassilieff (2006. p. 20), que a advocacia está dividida entre o avocat, o avoués à la Cour, e o avocats aux Conseils. Para atuar como avocat e ser inscrito nos quadros da ordem, é necessária a prévia formação em direito com a respectiva aprovação em exame de aptidão profissional, seguida de estágio por dois anos sob supervisão.
A categoria de avoués à la Cour, únicos aptos para representar as partes e peticionar perante a Corte de Apelação, é composta de avocats com aprovação em exame específico para a função. Já os avocats aux Conseils, relata Vassilieff (2006. p 21), são os únicos qualificados para atuar perante o Conseil d’Etat, a mais alta corte administrativa, e perante a Cour de Cassation, espécie de corte suprema, sendo necessário ao pretendente à função a prévia aprovação em exame específico com sua indicação ou aprovação pelo Ministro da Justiça.
A Itália conta com duas espécies de advogados, o procuratore legale e o avvocato. O procuratore está habilitado a atuar apenas na região onde reside, e, diferentemente do que ocorre nos países acima, não é necessário um exame de ordem específico, mas a conclusão dos estudos jurídicos com a aprovação em exames de graduação e apresentação de uma tese, seguidos de um estágio obrigatório de dois anos. Porém, apenas se tornará avvocato, que não encontra limites territoriais de atuação, o procuratore legale com seis anos de efetivos exercício profissional, sendo que o avvocato apenas poderá atuar na Corte di Cassazione após oito anos de advocacia. (VASSILIEFF, 2006. p. 24).
Na Suíça, apesar de não haver idade mínima ou limite como requisito para a realização do exame de ordem, que é composto de prova escrita e oral, ele só pode ser feito após conclusão de estágio posterior aos estudos de Direito. Tendo em vista a organização político-administrativa da Suíça, a duração mínima do estágio varia conforme o cantão, sendo de no mínimo um ano. (VASSILIEFF, 2006. p. 27)
Nos Estados Unidos, não apenas se exige exame de ordem prévio à advocacia, como também há um tipo exame específico para aqueles que desejam ingressar numa faculdade de direito, o chamado Law School Admission Test, onde se avalia habilidades de leitura e domínio da gramática. Após os estudos jurídicos, o bacharel poderá se submeter ao exame de ordem, que possui algumas variações conforme o estado. Além disso, a realização do exame está limitada a duas ou no máximo cinco tentativas, a depender da legislação de cada estado. Um ponto crítico sobre a advocacia nos Estados Unidos é que, por conta das diferentes legislações de cada estado, decorrente da autonomia político-administrativa e legislativa, o exercício da advocacia fica limitado às fronteiras do estado onde o profissional tenha se habilitado.
Em Portugal, o Estatuto da Advocacia preconiza que a inscrição como advogado depende de aprovação em estágio prévio seguido de exames, sendo que só podem realizar o estágio os bacharéis em direito. O estágio é de no mínimo dois anos, sendo que nos primeiros seis meses o estagiário adquirirá conhecimentos técnico-profissionais e deontológicos fundamentais, e habilitação para a prática de atos próprios da profissão, e, após aprovação em exame, passará à segunda fase do estágio (Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal, Lei 15/2005, artigo 188). Nesta fase, o advogado estagiário já conta com carteira profissional, mas só pode atuar sob a supervisão de um patrono, e ao final deverá ser aprovado noutro exame, o exame nacional, para ter sua inscrição definitiva como advogado.
Com isso, constata-se que o Exame de Ordem é universal e, variando conforme as peculiaridades de cada país, é prestigiado de uma forma geral como conditio sine qua non para o exercício da advocacia.
4. A ADVOCACIA NO BRASIL: DOS CURSOS JURÍDICOS À OAB
Na sua condição de colônia, o Brasil sofria incidência da legislação lusitana, inclusive em relação à regulamentação da profissão advocatícia. Em Portugal, a advocacia foi regulamentada, primeiramente, pelas Ordenações Afonsinas (1446) e, com a entrada em vigor das Ordenações Filipinas (1603), aquele que almejasse ser advogado, deveria se submeter a estudos por oito anos em Coimbra, escolhendo direito civil ou canônico, ou ambos.
As Ordenações Filipinas significaram grande mudança na advocacia brasileira da época, pois, até então, ela era feita sem formalidades, as pessoas simplesmente aprendiam e passavam a exercer. Portanto, a advocacia se tornou regrada fazendo-se necessário que o pretenso advogado se dirigisse à Universidade de Coimbra, em Portugal, por oito anos.
Todavia, em 24 de julho de 1713 foi publicado o Alvará Régio, ato que declarava que, fora da Corte, poderia ser advogado qualquer pessoa idônea, ainda que não seja formado, tirando Provisão. Surgia, então, a figura do provisionado que, sem ter diploma de bacharel em direito, estava autorizado a exercer a advocacia em primeira instância, praticando atos privativos de advogado.
A figura dos provisionados existiu até o advento da Lei 7.346/85, que vedou novas inscrições de provisionados no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, mas assegurou aos já inscritos o exercício da profissão.
Com a decretação da Independência do Brasil, em 1822, foi convocada Assembléia Constituinte no ano seguinte, na qual se iniciou os debates acerca da instalação de estudos jurídicos no Brasil, culminando na criação das duas primeiras universidades de direito nas cidades de São Paulo e Olinda, que só começaram a funcionar em 1828. Para o ingresso, o pretenso estudante deveria ter quinze anos completos e ser aprovado nos exames de retórica, gramática latina, língua francesa, filosofia racional e moral, e geometria.
Como é sabido, a finalidade primordial para a criação desses cursos jurídicos residia na necessidade de se formar políticos capazes de governar o país recém independente. Entretanto, nem tudo se resumia a isso, e aqueles bacharéis que optavam por seguir uma carreira jurídica pura não encontravam bases sólidas de apoio e forças em favor da profissão.
Surge, então, necessidade de se criar uma entidade de classe, o que seria feito nos moldes da Ordem dos Advogados de Portugal. A história da Ordem dos Advogados do Brasil começa com a iniciativa do ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão, de fundar o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), cuja finalidade expressa era a constituição da Ordem dos Advogados, conforme preconizava o artigo 2º de seu estatuto: O fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência da jurisprudência.
O Instituto dos Advogados do Brasil foi formalmente instalado no dia 7 de setembro de 1943, oportunidade em que seu primeiro presidente, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma justificou a criação do Instituto e a sua participação para a criação futura da Ordem dos Advogados: Ela, Senhores, afirmou referindo-se à Ordem, não só saberá zelar o subido valor que acaba de receber do Imperante, mas desvelar-se-á por tornar-se digna, em todas as épocas de sua existência, da mais plena e imperial confiança (in HISTÓRIA DA OAB. www.oab.org.br/hist_oab/index.html).
Mas foi apenas quase um século após a instalação do IAB, por força do art. 17 do Decreto n.º 19.408, de 18 de novembro de 1930, que ocorreu a instituição da Ordem dos Advogados do Brasil, e, diante das dificuldades para implantar a Ordem em todo território nacional, ela só se consolidou em 31 de março de 1933.
Em seu Manifesto de Independência da Advocacia Brasileira, Paulo Lopo Saraiva (2006) registra com precisão a importância e o valor social da Ordem os Advogados do Brasil desde a sua instituição:
Ao longo da história político institucional brasileira, a Ordem dos Advogados do Brasil tem se postado como a maior instância moral da nossa sociedade. O conceito e a credibilidade de que desfruta em todos os segmentos sociais robora a imensa responsabilidade que lhe cai sobre os ombros, bem como reitera a oceânica confiança que todos lhe tributam. (p. 21-22)
Porém, como o próprio autor registra, essa credibilidade não é obra do acaso, tampouco benesse dos príncipes, pelo contrário, é conquista cotidiana, é manifesto diário, confirmado nos momentos mais difíceis e desafiadores da vida institucional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em tempos modernos, a OAB se mantém como instância moral da sociedade brasileira, cuja finalidade é a defesa da ordem democrática. Foi ela responsável pela conquista de uma vasta gama de prerrogativas constitucionais do advogado brasileiro que hoje se desfruta, tais como o próprio status constitucional do advogado e a participação do advogado nos Tribunais Superiores por meio do quinto constitucional, sem falar na participação da OAB em todas as fases do recrutamento dos juízes, promotores e procuradores do Estado.
De se concluir, portanto, que as conquistas históricas da Ordem dos Advogados do Brasil são produto de sua luta incessante pela democracia e pelo Estado de Direito. Ontem como hoje, o lema é um só: a Ordem é dos Advogados, mas também é do Brasil. (SARAIVA, 2006. p. 36).
4.1. O Exame de Ordem no Brasil
Estando na mira de muitos críticos, o Exame de Ordem é alvo das mais variadas ofensas e insultos, sendo acusado de atentar contra o direito à vida, por supostamente impedir que o bacharel em direito possa trabalhar, contra o princípio da igualdade e do livre exercício das profissões. E mais, há também vozes que lhe imputam inconstitucionalidade formal, porque não teria sido criado por lei, mas sim por Provimento do Conselho Federal da OAB.
Em que pese a força dos argumentos, por provarem muito, nada provam. E a clareza constitucional acerca do livre exercício das profissões insculpido no artigo 5º, XIII, CF, não deixa dúvidas de que se trata de liberdade, e não de anarquia no exercício das profissões. Isso significa que, assim como em qualquer âmbito da vida civil, o exercício da liberdade das profissões pode ser regulamentado. É justamente o que preconiza o artigo 5º, XIII, da Lex Legum, in verbis:
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (grifo nosso)
Neste sentido, a profissão advocatícia foi regulamentada por meio da Lei Federal 8.906, de 4 de julho de 1994, que em seu artigo 8º esclarece as qualificações necessárias para o exercício da advocacia, dentre as quais está a aprovação em exame de ordem, literis:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
I - capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV - aprovação em Exame de Ordem;
V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral;
VII - prestar compromisso perante o conselho.
O tempo dos rábulas e provisionados no Brasil se foi, e atualmente a advocacia é privativa de advogados que, embora tenham a mesma formação universitária dos bacharéis em direito, dependem da inscrição na ordem como condição para o exercício da advocacia, afinal, como bem esclarece Sílvia Vassilieff, a advocacia é uma profissão regulamentada e não uma conquista acadêmica (2006, p. 35).
Nesta linha de raciocínio, Paulo Luiz Neto Lôbo é incisivo ao aventar que advogado não é gênero, mas espécie de profissional do direito (1996, p. 34). Assim, também são profissionais do direito o juiz e o promotor, os quais não necessitam de aprovação prévia no Exame de Ordem, mas tão somente em concurso público, certamente mais difícil que o próprio Exame. Inúmeras outras profissões são privativas de bacharéis em direito, v.g., analista judiciário da área judiciária, professor e pesquisador da área de direito.
O bacharel em direito não está privado de trabalhar, mas se quer trabalhar como advogado, deve atender às qualificações legais para tal, assim como se devem atender às qualificações exigidas para o exercício das demais espécies de profissões regulamentadas.
O Exame de Ordem foi criado por lei (art. 8º, IV, Lei 8.906/1994) e é regulado por provimento do Conselho Federal da OAB, o Provimento 109/2005, que traça as diretrizes do Exame de Ordem, em conformidade com os artigos 8º, §1º, e 54, V, ambos da Lei Federal 8.906/1994.
Quando o § 1º do art. 8º da Lei 8.906/94 define ser competência do Conselho Federal da OAB regulamentar o Exame de Ordem, está se referindo aos seguintes aspectos: definição das fases e métodos de avaliação, conteúdo a ser objeto de exame, critérios de correção, possibilidade ou não de consulta à legislação ou à doutrina. Ou seja, tudo aquilo que se mostra instrumental à realização do Exame de Ordem, no intuito de zelar por sua padronização, nível técnico e operacionalização, nos limites do poder regulamentar.
De outra banda, a suposta ofensa ao princípio da igualdade também não merece acolhida. Segundo este princípio, todos são iguais perante a lei, logo, todos devem respeitar igualmente a regra constitucional que limita o exercício das profissões às qualificações exigidas por lei. As qualificações necessárias para o exercício das profissões não são idênticas, variando no tempo e espaço, conforme as necessidades e peculiaridades de cada profissão. O tratamento distinto dispensado a cada profissão conforme sua natureza é inerente ao próprio princípio da igualdade, que não pode ser reduzido à mera igualdade formal.
A advocacia constitui uma das principais pilastras de sustentação do Estado Democrático de Direito; as peculiaridades que envolvem a natureza desta profissão justificam as qualificações exigidas para o seu exercício.
E mais, o Exame de Ordem é tão visado e importante para o exercício da profissão advocatícia, que outras profissões buscam implantar uma forma análoga de qualificação para o exercício profissional. É o caso da Contabilidade, em que o próprio Conselho Federal de Contabilidade instituiu o chamado Exame de Suficiência, por meio da Resolução 853/1999.
Apesar de não ser objeto deste trabalho, à primeira vista o Exame de Suficiência de Contabilidade parece não encontrar supedâneo na lei que regulamenta a profissão da contabilidade (Decreto-Lei nº 9.295/1946), por falta de previsão, o que contrariaria o artigo 5º, XIII, CF, por abuso de poder regulamentar.
Mas não é só. Identifica-se vários projetos de lei em tramitação no Congresso que visam justamente a implementação de exame de proficiência como condição para o exercício da respectiva profissão.
O Projeto de Lei do Senado nº 102/2006, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko visa condicionar o registro dos médicos e cirurgiões-dentistas nos conselhos regionais somente após a realização de exame de qualificação ou de proficiência para recém-formados. Em sua justificação, o Senador faz referência a outros países que já praticam a exigibilidade de aprovação em exame prévio ao exercício da medicina e da odontologia.
Já o Projeto de Lei da Câmara nº 559/2007, de autoria do Deputado Joaquim Beltrão, pretende a implantação de Exame de Suficiência para todas as profissões regulamentadas. A diferença entre este e o exame de ordem é que, enquanto o exame de suficiência geral seria de exigência facultativa pelos Conselhos, o exame de ordem é de cobrança obrigatória em decorrência de imposição legal.
Finalmente, não se poderia deixar de fazer menção à recente e tão acertada jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que ratificou a constitucionalidade do Exame de Ordem ao julgar procedente Agravo de Instrumento contra liminar em sede de Mandado de Segurança que assegurava inscrição na OAB sem prévio exame, in verbis:
Administrativo - Exame de Ordem – Constitucionalidade – Ausência de Ofensa aos artigos 5º, XIII; 22, XVI; ou 209, II, da Constituição Federal.
1- Não existe inconstitucionalidade alguma na exigência de Exame de Ordem para o exercício da advocacia.
2- Dispõe o art. 5º, XIII, da Constituição Federal: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Esse dispositivo, na clássica classificação das normas constitucionais quanto à aplicabilidade, adotada por José Afonso da Silva, situa-se entre aqueles de aplicabilidade imediata e eficácia contida. É dizer, em outras palavras, que o direito consagrado na norma constitucional é exercido desde a promulgação da Carta porque goza de aplicabilidade imediata, mas pode ter sua eficácia reduzida, contida ou restringida pela lei (TRF 1ª Região, AC 1998.01.00.040595-5, DJ 03/07/03).
3- Assim, todos os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil podem exercer ou deixar de exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão, mesmo que inexista lei estabelecendo as qualificações para tanto. O advento desta, todavia, ao estabelecer as condições, poderá conter, restringir ou reduzir os efeitos dimanados da norma constitucional.
4- Observando-se os documentos acostados às fls. 153/158, pela OAB/RJ, neles se constata que foram reprovados em matéria trabalhista os Agravados MARLENE CUNTO MUREB, ALESSANDRA GOMES DA COSTA NOGUEIRA, SILVIO GOMES NOGUEIRA e MARCELLO SANTOS DA VERDADE e reprovados em matéria penal os Agravados RICARDO PINTO DA FONSECA e FÁBIO PINTO DA FONSECA, demonstrando, assim, que o Mandado de Segurança, em sua origem, busca superar e ultrapassar a reprovação dos Recorridos, no “Exame de Ordem” a que se submeteram, por força do disposto no art. 8º, inc. IV, da Lei 8.906/94.
5- A Lei 8.906/94, em seu art. 8º, estabelece como condição ao exercício da profissão de advogado a aprovação em Exame de Ordem. Assim, quando o Conselho Federal da OAB regulamenta o exame de ordem, não se divisa exercício ilegal de poder. O poder regulamentar foi legitimamente deferido, na hipótese, pela própria Lei, que estabeleceu a necessidade de aprovação no exame, restringindo, desde aí, a eficácia da norma constitucional.
6- Precedente deste Tribunal (AMS nº 2004.51.01.015447-8).
7- Agravo de Instrumento a que se dá provimento. (TRF 2ªR. – 8ª Turma, à unanimidade – Agravo de Instrumento nº 2008.02.01.000264-4 – Rel. Des. Federal Raldênio Bonifácio Costa – j. em 21 de outubro de 2008)
Desta forma, resta evidente que a inscrição como advogado não é direito líquido e certo do bacharel em direito, pois, a aprovação no respectivo certame é conditio sine qua non do completo atendimento das qualificação legais exigidas para o exercício da profissão advocatícia.
5. CONCLUSÕES
Ao analisarmos a profissão advocatícia, percebemos que a Ordem dos Advogados e o Exame de Ordem são partes integrais desta profissão, embora haja vozes que pugnam por sua imprestabilidade. Esta, porém, é uma visão que não encontra guarida no direito pátrio, tampouco no estrangeiro, e sucumbe definitivamente quando se faz uma regressão histórica acerca da importância social de lutas e conquistas proporcionadas pelas ordens de advogados.
Os cursos de direito não formam advogados, mas bacharéis em direito. O advogado é espécie, assim como juízes e promotores, ou seja, todo advogado é bacharel em direito, mas o contrário não é verdadeiro.
As qualificações exigidas para o exercício da advocacia estão previstas em lei federal, em plena consonância com a Constituição Federal do Brasil no que tange ao livre exercício das profissões.
O livre exercício de uma profissão não pode ser entendido como exercício conforme a pura vontade, mas deve atender ao disciplinamento legal, o que foi feito, em relação à advocacia, pela Lei 8.906/1994.
A prévia aprovação no Exame de Ordem é uma das principais qualificações exigidas por lei para o exercício da advocacia, tendo sido instituído nos moldes constitucionais e está regulado pelo Provimento 109/2005 da OAB.
A regulamentação do Exame de Ordem por Provimento não se confunde com a sua instituição por lei. Aquela regulamentação decorre do poder regulador conferido pela Lei 8.906/1994 ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para zelar pela padronização, nível técnico e operacionalização do exame.
O prestígio dispensado às ordens de advogados e ao exame de ordem é universal, cujas características variam conforme aspectos culturais e político-organizacionais de cada país.
É ponto pacífico, portanto, o entendimento segundo o qual o exame de ordem e a ordem de advogados devem existir como parte integral da advocacia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. In Odete Medauar (org.). Coletânia de legislação administrativa. 8.ed. São Paulo: RT, 2008.
BRASIL. Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Diário Oficial da União, 5 de julho de 1994, p. 10093.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Agravo de Instrumento nº 2008.02.01.000264-4. 8ª Turma. Julgado em 21 de outubro de 2008. Disponível em . Acesso em 03 nov 2008.
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao estatuto da advocacia. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.
MADEIRA, Hélcio Maciel França. História da advocacia: origens da profissão de advogado no direito romano. São Paulo: RT, 2002.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. História da OAB. Disponível em . Acesso em 01 nov 2008.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Provimento 109, de 2 de setembro de 2005. DJ, 09.12.2005, p. 663/664, S 1.
PORTINHO, Roberta B. O. Evolução histórica da advocacia. Disponível em: . Acesso em 9 jun. 2008
PORTUGAL. Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005: Estatuto da Ordem dos Advogados. Diário da República. - S.1-A n.18 (26 Janeiro 2005), p.612-646. Disponível em . Acesso em 5 nov 2008.
VASSILIEFF, Sílvia. Responsabilidade civil do advogado. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
SARAIVA. Paulo Lopo. O advogado não pede, advoga: manifesto de independência da Advocacia Brasileira. 2.ed. São Paulo: Ícone, 2006.
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