Ministro Celso de Mello pede informações à Câmara sobre a PEC dos vereadores

domingo, 21 de dezembro de 2008

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, pediu informações ao presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, sobre a recusa daquela Casa em promulgar a PEC 20/2008, que aumenta o número de vereadores nos municípios brasileiros.

Ao analisar o Mandado de Segurança (MS) 27807, impetrado pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, o ministro entendeu ser cabível a ação, uma vez “considerada a existência, no caso, de litígio constitucional – instaurado entre as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados – referente à promulgação de emenda à Constituição que a parte ora impetrante sustenta haver resultado de regular tramitação, com integral observância do regime da bicameralidade”.

O decano da Suprema Corte ressaltou ainda que a análise do pedido feito pela Mesa do Senado Federal não pode ser considerada uma interferência do Poder Judiciário nas funções do Legislativo, pois “a jurisdição constitucional qualifica-se como importante fator de contenção de eventuais excessos, abusos ou omissões alegadamente transgressores do texto da Constituição da República, não importando a condição institucional que ostente o órgão estatal – por mais elevada que seja sua posição na estrutura institucional do Estado – de que emanem tais condutas”.

Em relação à liminar, pela qual o Senado pretende que o STF determine que seja promulgada 
a nova Emenda Constitucional, Celso de Mello considerou que ela somente poderia ser avaliada após ouvir as razões do presidente da Câmara, devido “às implicações resultantes de um conflito constitucional no âmbito do Poder Legislativo”.
Ressaltou, ainda, que a concessão de liminar, sem a devida prudência, poderia acarretar em uma decisão satisfativa, ou seja, atenderia, desde já, o pedido feito pelo Senado e, uma vez satisfeito o objetivo da ação, nada restaria mais a ser debatido no julgamento de mérito, que é de competência do Plenário da Suprema Corte.


Vejamos a íntegra do despacho:

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.807-2 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MENEZES DIREITO
IMPETRANTE(S) : MESA DO SENADO FEDERAL
ADVOGADO(A/S) : LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO
IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
DESPACHO DO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Este despacho é por mim proferido em face da ausência eventual, nesta Suprema Corte, do eminente Relator da presente causa (fls. 46), justificando-se, em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no art. 38, I, do RISTF.

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra a Mesa da Câmara dos Deputados, que teria incidido em grave transgressão ao ordenamento constitucional, pela recusa de seus membros (exceto o Senhor 1º Vice-Presidente) em assinar os autógrafos concernentes à PEC nº 20, de 2008, assim obstando, com esse comportamento, a própria promulgação de nova emenda à Constituição, o que lesaria – segundo sustentado nesta sede mandamental – direito líquido e certo alegadamente titularizado pela Mesa do Senado Federal.

Eis como o autor desta ação de mandado de segurança descreve o comportamento – por ele qualificado como inconstitucional - que imputa à Mesa da Câmara dos Deputados (fls. 03/04):

“Na madrugada do dia dezoito de dezembro do corrente, o Senado Federal aprovou, por ampla maioria, a Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 2008, que ‘altera a redação do inciso IV do ‘caput’ do art. 29 da Constituição Federal, tratando das disposições relativas à recomposição das Câmaras Municipais’.
A referida proposição já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados, onde recebera o nº 333, de 2004, e fora encaminhada ao Senado Federal em 03 de junho do ano corrente (...).
Ao apreciar a referida PEC, o Senado Federal entendeu por bem, nos termos do voto de seu relator (doc. 03), o Exmo. Sr. Senador César Borges, destacar o art. 2º da
proposição para que constituísse proposição autônoma, nos termos do art. 235, inciso III, alínea ‘d’, item 6, do Regimento Interno do Senado Federal:
Com o destaque do art. 2º para constituição de proposição autônoma, o restante do texto da PEC nº 20, de 2008, foi aprovado em primeiro e segundo turnos de votação no Senado Federal e enviado para constituir autógrafos a fim de ser promulgado em sessão solene, juntamente com o texto da PEC nº 12-A, de 2004, que ‘acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para convalidar os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios.
Ocorre que, ao receber os referidos autógrafos das Propostas de Emendas constitucionais aprovadas pelo Senado, a Mesa da Câmara dos Deputados, que se encontrava reunida, somente assinou aquele referente à ratificação da criação de Municípios (já numerado como Emenda Constitucional nº 57 - doc. 04), devolvendo em branco o da Proposta de Emenda Constitucional nº 20, de 2008, e anunciando, pela imprensa, que decidira opor-se à promulgação daquela PEC na forma em que fora provada pelo Senado Federal (...).
Tal fato configura, como será demonstrado adiante, ato ilegal que merece repreensão por esta Corte Suprema.”(grifei)

A parte ora impetrante pretende ver reconhecida, na presente causa, “(...) a possibilidade de, no processo legislativo de emendas constitucionais, a fim de viabilizar os consensos políticos ao menos parciais ao redor de determinados temas, dividir a proposição aprovada em uma Casa em duas partes: uma, que obteve a
concordância da segunda Casa e que por isso irá à promulgação, e outra, que justamente por não ter tido a mesma sorte, retornará à Casa iniciadora” (fls. 07 - grifei), assim justificando, no ponto, a postulação mandamental que deduziu perante esta Suprema Corte (fls. 09/11):

“Em outras palavras, entende esta Corte que, uma vez que os dispositivos constantes das partes separadas possuam relativa autonomia, ou seja, quando não sejam
interdependentes a ponto de prejudicar a compreensão e aplicação da própria norma por eles veiculada, não haverá afronta ao art. 60, § 2º, da Carta Magna.
A Corte entende, portanto, que será imprescindível o retorno à outra Casa Legislativa quando houver alterações em ao menos um dos âmbitos de aplicação do texto emendado:
material, pessoal, temporal ou espacial. Esse entendimentofoi ratificado por ocasião do julgamento da ADC nº 3 e das ADIns nº 2.666 e 3.472, dentre outras.
Saliente-se, aliás, que esse entendimento foi rigorosamente o adotado por ocasião da tramitação das Reformas ‘do Judiciário’ (Emenda Constitucional nº 45) e ‘da Previdência’ (Emendas Constitucionais nº 20 e 41), ambas tendo gerado a criação de ‘PECs Paralelas’.
Foi exatamente o que aconteceu no caso em tela. Numa mesma proposição, havia duas propostas absolutamente distintas: uma atinente a aumentar o número de vereadores
nas Câmaras Legislativas Municipais e outra cujo desiderato era reduzir seu financiamento, através da diminuição de seus percentuais de repasse.
Ora, não há como afirmar que uma disposição depende da outra, até mesmo porque beiram a contradição: se por um lado aumenta-se o limite de vereadores por município, é
contraditório reduzir a verba daquele órgão legislativo. O Senado concordou com o aumento do número de vereadores, mas preferiu, por falta de melhor consenso, deixar inalterada a norma constitucional que regula o valor dos repasses às Câmaras Municipais. Essa independência entre as disposições é tão clara que a Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 2008, visa a alterar dois artigos distintos da Constituição, um dos quais (art. 29-A) nem se quer constava da Constituição originária somente vindo a ser-lhe acrescido doze anos depois.
Na mesma linha, o próprio Tribunal Superior Eleitoral, quando reduziu o número de vereadores de diversos municípios, não cogitou de realizar qualquer diminuição no
repasse de verbas para as respectivas câmaras municipais.
Não há, pois, como sustentar, juridicamente, que uma norma é dependente da outra: são absolutamente autônomas e imediatamente aplicáveis. O que pretende fazer a Mesa da
Câmara, ao buscar colher louros políticos defendendo uma vinculação juridicamente descabida, não é admissível sob a ótica da jurisprudência desta Colenda Corte.
Admitir que, a seu exclusivo arbítrio, a Mesa da Câmara dos Deputados possa limitar o poder decisório do Senado Federal é desequilibrar o sistema bicameral do Legislativo
federal brasileiro. (...).
.......................................................
Se nem ao Presidente da República, que tem o poder de veto sobre a produção legislativa ordinária e complementar, é dado vetar Proposta de Emenda à Constituição, não seria a Mesa de uma das Casas que teria essa prerrogativa constitucional, mormente porque a referida Proposta foi aprovada pelas duas casas do Congresso Nacional em dois turnos de votação.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a examinar questão prévia concernente à cognoscibilidade desta ação mandamental.

Entendo, preliminarmente, salvo melhor juízo, que a presente causa revela-se suscetível de conhecimento por esta Suprema Corte, considerada a existência, no caso, de litígio constitucional – instaurado entre as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados – referente à promulgação de emenda à Constituição que a parte ora
impetrante sustenta haver resultado de regular tramitação, com integral observância do regime da bicameralidade, da PEC nº 20/2008.

Esse particular aspecto da controvérsia parece afastar o caráter “interna corporis” do procedimento em questão, legitimando-se, desse modo, o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição que lhe é inerente, em face da natureza jurídico-constitucional do litígio em causa, tal como tem sido reconhecido pela jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (RTJ 173/805-810, 806 – RTJ 175/253 – RTJ 176/718, v.g.).

Vê-se, portanto, que a existência de controvérsia jurídica, impregnada de relevo constitucional, legitima o exercício, por esta Suprema Corte, de sua atividade de controle, que se revela ínsita ao âmbito de competência que a própria Carta Política lhe outorgou.

Isso significa reconhecer, considerados os fundamentos que dão suporte a esta impetração, que a prática do “judicial review” - ao contrário do que muitos erroneamente supõem e afirmam – não pode ser considerada um gesto de indevida interferência jurisdicional na esfera orgânica do Poder Legislativo.

É que a jurisdição constitucional qualifica-se como importante fator de contenção de eventuais excessos, abusos ou omissões alegadamente transgressores do texto da Constituição da República, não importando a condição institucional que ostente o
órgão estatal – por mais elevada que seja sua posição na estrutura institucional do Estado - de que emanem tais condutas.

Não custa rememorar, neste ponto, que tal entendimento – plenamente legitimado pelos princípios que informam o Estado Democrático de Direito e que regem, em nosso sistema institucional, as relações entre os Poderes da República – nada mais representasenão um expressivo reflexo histórico da prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (RTJ 142/88-89 - RTJ 167/792-793 – RTJ 175/253 – RTJ 176/718, v.g.).

Essa visão é também compartilhada pelo magistério da doutrina (PEDRO LESSA, “Do Poder Judiciário”, p. 65/66, 1915, Livraria Francisco Alves; RUI BARBOSA, “Obras Completas de Rui Barbosa”, vol. XLI, tomo III, p. 255/261, Fundação Casa de Rui Barbosa; CASTRO NUNES, “Do Mandado de Segurança”, p. 223, item n. 103, 5ª ed., 1956, Forense; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo III/644, 3ª ed., 1987, Forense; JOSÉ ELAERES MARQUES TEIXEIRA, “A Doutrina das Questões Políticas no Supremo Tribunal Federal”, 2005, Fabris Editor; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, 2003, Malheiros; OSCAR VILHENA VIEIRA, “Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência Política”, 2ª ed., 2002, Malheiros, v.g.), cuja orientação, no tema, tem sempre ressaltado, na linha de diversas decisões desta Corte, que “O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República” (RTJ 173/806, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Entendo cognoscível, desse modo, salvo melhor juízo, o presente mandado de segurança, eis que inocorrentes, na espécie, as situações verificadas, p. ex., no contexto do MS 20.247/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, e do MS 20.464/DF, Rel. Min. SOARES MUÑOZ.

Caberia, agora, proceder ao exame da pretensão cautelar deduzida pela Mesa do Senado Federal.

Tenho para mim, no entanto, em juízo de prudência, que a análise do tema, de um lado, e a natureza da matéria, de outro, consideradas as implicações resultantes de um conflito constitucional no âmbito do Poder Legislativo, tornam altamente recomendável que se ouça, previamente, por intermédio de seu ilustre Presidente, a Mesa da Câmara dos Deputados, órgão apontado como coator.

Registro, neste ponto, tendo em vista o conteúdo deste despacho, que o imediato atendimento do pleito cautelar implicaria o esgotamento do próprio objeto da pretensão mandamental deduzida nesta causa, pois a concessão do provimento liminar revestir-se-ia de índole eminentemente satisfativa.

Nem se diga que o retardamento na apreciação da liminar mandamental ora postulada comprometeria o resultado final deste processo de mandado de segurança.

É que a própria denegação da medida liminar não implicaria frustração nem perda de eficácia do “writ” mandamental, caso eventualmente deferido. Por isso, determino que se adote, no caso, a providência a que se refere o art. 7º, inciso I, da Lei nº 1.533/51, c/c o art. 1º, “a”, da Lei nº 4.348/64.

Brasília, 19 de dezembro de 2008 (23:55h).

Ministro CELSO DE MELLO

(RISTF, art. 38, I)

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