Informativo nº 514 do STF

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PLENÁRIO

Redução e Extinção de Imposto: Princípio da Anterioridade Tributária - 1

O Tribunal, por maioria, indeferiu pedido de liminar formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB contra o art. 3º da Lei 15.747/2007, que alterou dispositivos da Lei 14.260/2003, ambas do Estado do Paraná, reduzindo e extinguindo descontos relativos ao pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA (Lei 15.747/2007: “Art. 3º. Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação.”). Entendeu-se que a norma impugnada não ofende, em princípio, a regra da anterioridade tributária, prevista no art. 150, III, b e c, da CF, porque não constitui aumento do imposto (CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:... III - cobrar tributos:... b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”).

Considerou-se que, se até mesmo a revogação de isenção não tem sido equiparada pela Corte à instituição ou majoração de tributo, a redução ou extinção de um desconto para pagamento do tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única (à vista), também não o poderia. Afastou-se, também, a assertiva de que qualquer alteração na forma de pagamento do tributo equivaleria a sua majoração, ainda que de forma indireta, e reportou-se ao entendimento do Supremo de que a modificação do prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade (Enunciado 669 da Súmula). Asseverou-se, ademais, que deveriam ser levados em conta os argumentos apresentados nas informações da Assembléia Legislativa e do Governador do Estado no sentido de que as alterações promovidas pela Lei 15.747/2007 visariam propiciar o ajustamento de descontos do IPVA paranaense com o de outros Estados, sem que tais mudanças importassem em aumento do valor total do tributo. Ressaltou-se, por fim, que, no caso do IPVA, o art. 150, § 1º, da CF expressamente excetua a aplicação da regra da anterioridade na hipótese da fixação da base de cálculo desse tributo, ou seja, do valor venal do veículo. Assim, se nem a fixação da base de cálculo do IPVA estaria sujeita à incidência da regra da anterioridade, a extinção ou redução de um desconto condicional para pagamento desse tributo poderia ter efeitos imediatos. Vencido o Min. Cezar Peluso que concedia a liminar ao fundamento de que a hipótese nada teria a ver com isenção, porque esta seria objeto específico de uma norma constitucional, e que a supressão ou redução de um desconto previsto em lei implicaria, automática e aritmeticamente, aumento do valor do tributo devido, razão pela qual se haveria de observar o princípio da anterioridade. Precedentes citados: RE 200844 AgR/PR (DJU de 16.8.2002); RE 204062/ES (DJU de 19.12.96).

ADI 4016 MC/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.8.2008. (ADI-4016)


Decadência Tributária e Reserva de Lei Complementar

O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “sob pena de seu arquivamento e da impossibilidade de revisão ou renovação do lançamento tributário sobre o mesmo fato gerador”, contida no § 4º do art. 16 (“A lei fixará prazo para o proferimento da decisão final no processo contencioso administrativo-tributário, sob pena de seu arquivamento e da impossibilidade de revisão ou renovação do lançamento tributário sobre o mesmo fato gerador.”), bem como do art. 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (“Enquanto não promulgada a lei prevista no art. 16, § 4º, da Constituição, o prazo nele referido é fixado em doze meses, e em seis meses para os processos em tramitação, descontado o período necessário a realização de diligências motivadas.”), ambos da Constituição estadual. Entendeu-se que a norma representaria uma espécie de decadência intercorrente, de alcance abrangente, matéria que estaria expressamente reservada à disposição geral por via de lei complementar federal (CF: “Art. 146. Cabe à lei complementar:... III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:... b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”). Asseverou-se, entretanto, que, em face do princípio da federação, a partir da CF/88, não seria inconstitucional que o legislador estadual fixasse o tempo de tramitação de um processo administrativo tributário, mas, pelo contrário, salutar, considerada, sobretudo, a garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). Vencido, em parte, o Min. Menezes Direito, que acompanhava o relator somente quanto à expressão do § 4º do art. 16 e, vencido, integralmente, o Min. Marco Aurélio, que julgava o pedido improcedente.

ADI 124/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.8.2008. (ADI-124)


Uso de Algemas e Excepcionalidade

Entendeu-se que o uso das algemas, no caso, estaria em confronto com a ordem jurídico-constitucional, tendo em conta que não havia, no caso, uma justificativa socialmente aceitável para submeter o acusado à humilhação de permanecer durante horas algemado, quando do julgamento no Tribunal do Júri, não tendo sido, ademais, apontado um único dado concreto, relativo ao perfil do acusado, que estivesse a exigir, em prol da segurança, a permanência com algemas. Além disso, afirmou-se que a deficiência na estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido e que, inexistente o aparato de segurança necessário, impunha-se o adiamento da sessão. Salientou-se, inicialmente, que o julgamento perante o Tribunal do Júri não requer a custódia preventiva do acusado (CF, art. 5º, LVII), não sendo necessária sequer sua presença (CPP, art. 474, alterado pela Lei 11.689/2008). Considerou-se, também, o princípio da não-culpabilidade, asseverando-se que a pessoa acusada da prática de crime doloso contra a vida merece o tratamento devido aos humanos, aos que vivem em um Estado Democrático de Direito. Ressaltou-se que o art. 1º da CF tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e que da leitura do rol das garantias constitucionais previstas no art. 5º (incisos XIX, LXI, XLIX, LXI, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, XLVIII), depreende-se a preocupação em se resguardar a figura do preso, repousando tais preceitos no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na imprescindibilidade de lhe ser preservada a dignidade. Aduziu-se que manter o acusado algemado em audiência, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, implicaria colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior. Acrescentou-se que, em razão de o julgamento no Júri ser procedido por pessoas leigas que tiram ilações diversas do contexto observado, a permanência do réu algemado indicaria, à primeira vista, que se estaria a tratar de criminoso de alta periculosidade, o que acarretaria desequilíbrio no julgamento, por estarem os jurados influenciados.

Registrou-se que a proibição do uso de algemas e do uso da força já era previsto nos tempos do Império (Decreto de 23.5.1821 e Código de Processo Criminal do Império de 29.11.1832, art. 180) e que houve manutenção dessas normas no ordenamento jurídico brasileiro subseqüente (Lei 261/1841; Lei 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto 4.824/1871; Código de Processo Penal de 1941, artigos 284 e 292; Lei de Execução Penal - LEP 7.210/84, art. 159; Código de Processo Penal Militar, artigos 234, § 1º e 242). Citou-se, ademais, o que disposto no item 3 das regras da Organização das Nações Unidas - ONU para tratamento de prisioneiros, no sentido de que o emprego de algemas jamais poderá se dar como medida de punição. Concluiu-se que isso estaria a revelar que o uso desse instrumento é excepcional e somente pode ocorrer nos casos em que realmente se mostre indispensável para impedir ou evitar a fuga do preso ou quando se cuidar comprovadamente de perigoso prisioneiro. Mencionou-se que a Lei 11.689/2008 tornou estreme de dúvidas a excepcionalidade do uso de algemas (“Art. 474... § 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”), e que caberia ao Supremo emitir entendimento sobre a matéria, a fim de inibir uma série de abusos notados na atual quadra, bem como tornar clara, inclusive, a concretude da Lei 4.898/65, reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal. Deliberou-se, por fim, no sentido de se editar uma súmula a respeito do tema. Precedentes citados: HC 71195/SP (DJU de 4.8.95); HC 89429/RO (DJU de 2.2.2007).

HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)


PRIMEIRA TURMA

Falsificação de Moeda e Princípio da Insignificância

A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do delito previsto no art. 289, § 1º, do CP, por portar 10 cédulas falsas, cada uma com valor facial de R$ 5,00, pleiteava a aplicação do princípio da insignificância. Considerou-se que o paciente, ao fazer circular as notas falsas, sem comprovar a sua boa-fé, incorrera no crime de falsificação de moeda falsa, cujo bem jurídico tutelado é a fé pública. Desse modo, o tipo penal em questão não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem intangível, que corresponde à credibilidade do sistema financeiro.

HC 93251/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 5.8.2008. (HC-93251)


Reconhecimento da Continuidade Delitiva e Fase de Execução

A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende o reconhecimento da continuidade delitiva entre os diversos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo praticados pelo paciente. No caso, em sede de execução criminal, a defesa formulara pedido de unificação das penas ao argumento de se tratar de delitos de mesma espécie e semelhantes circunstâncias de tempo, modo e execução das condutas. O tribunal de origem indeferira o pleito por reputar que alguns crimes foram cometidos fora do lapso de 30 dias e que outros pressupostos também estariam ausentes, tais como, diversidade de vítimas e de localidade. Na sessão de 3.6.2008, o Min. Carlos Britto, relator, indeferiu o writ. Enfatizou que o tema da existência ou não de continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não estaria em discussão, uma vez que a pretensão do paciente esbarraria em questão logicamente anterior relativa à falta dos demais requisitos do art. 71, do CP. Assim, entendeu que a análise da impetração exigiria o revolvimento de todo o quadro empírico dos delitos praticados, incabível na via eleita. Por fim, tendo em conta que as condenações estabeleceram a obrigatoriedade do regime integralmente fechado para o cumprimento das penas, concedeu a ordem, de ofício, para viabilizar a progressão no regime, no que foi acompanhado pelos demais Ministros.

Em voto-vista, o Min. Marco Aurélio, por considerar impróprio o instrumental acionado pelo paciente, em virtude da existência de decisões a esta altura imutáveis sob o ângulo da simples execução, indeferiu o habeas corpus quanto ao pedido de reconhecimento da continuidade delitiva de todos os crimes de estupro pelos quais fora condenado o paciente e, sucessivamente, dos que merecerem o enquadramento na continuidade delitiva. Asseverou que a interpretação do que contido na LEP, tendo em vista o sistema processual pátrio, não sugeriria a possibilidade de alteração do que decidido nos processos-crime, sob o prisma da execução das sentenças condenatórias. Ademais, aludiu que não se encontra no rol das competências do juiz da execução (LEP, art. 66) a de julgar verdadeira revisão de títulos judiciais. Afirmou, no ponto, que a tanto não equivaleria a referência a soma ou unificação de penas e que seriam diversas as balizas da mera execução de penas e as da revisão de processos findos. No entanto, julgou cabível a concessão, de ofício, do writ para assentar a impropriedade do exame procedido em execução de títulos condenatórios, como se pudessem ser alterados em tal via, abrindo-se margem com isso a que as matérias versadas possam ser apreciadas mediante o instrumental próprio. Após, ante o tema novo, o Min. Carlos Britto, relator, indicou adiamento.

HC 93536/SP, rel. Min. Carlos Britto, 5.8.2008. (HC-93536)


SEGUNDA TURMA

Resolução e Criação de Vara Especializada

Ao aplicar o precedente firmado no julgamento do HC 88660/CE (j. em 15.5.2008), no sentido de que o Poder Judiciário tem competência para dispor sobre especialização de varas, porque é matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos tribunais, cujo tema não se encontra restrito ao campo de incidência exclusiva da lei, já que depende da integração dos critérios estabelecidos na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais, a Turma indeferiu habeas corpus em que alegada ofensa ao princípio do juiz natural ante a edição de resolução por tribunal de justiça. No caso, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte sustentava que a Lei de Organização e Divisão Judiciárias daquela unidade da federação não previa a fixação, por resolução do tribunal, de competência de varas judiciais. Assim, inconstitucional e ilegal a Resolução 19/2005, do Tribunal de Justiça do referido Estado-membro, que determinara a distribuição de ações penais envolvendo a prática de crimes sexuais contra crianças, adolescentes e idosos à determinada vara. De início, ressaltou-se a legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus com fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, bem como quando envolvido o princípio do juiz natural. No mérito, considerou-se que a resolução impugnada estaria em consonância com o entendimento desta Corte. Asseverou-se que a regra prevista no art. 73, da Constituição estadual, reproduziria o disposto no art. 96, II, d, da CF, ao prever que lei complementar, de iniciativa do tribunal de justiça, dispusesse sobre a organização e divisão judiciárias do Estado. Ademais, enfatizou que a leitura interpretativa do artigo 96, I, a e d, e II, d, da CF, admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação do tribunal de justiça, desde que sem impacto orçamentário, eis que houve simples alteração promovida administrativamente, constitucionalmente admitida, visando a uma melhor prestação da tutela jurisdicional, de natureza especializada. Outros precedentes citados: HC 84056/DF (DJU de 4.2.2005); HC 84103/DF (DJU de 6.8.2004).

HC 91024/RN, rel. Min. Ellen Gracie, 5.8.2008. (HC-91024)

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