HC não é via para contestar Lei Seca

sábado, 26 de julho de 2008

Em decisão desta sexta-feira (25/07), o desembargador Vanderlei Romer negou liminar em outro habeas corpus impetrado junto ao Tribunal de Justiça com a finalidade de obter salvo conduto em relação aos ditâmes da nova legislação de trânsito – a polêmica Lei Seca e o tão citado teste do bafômetro.

Dois advogados ingressaram com a ação em benefício próprio. O magistrado pronunciou-se contrário ao pedido por, entre outras razões, entender que o habeas corpus não é o instrumento adequado para tal finalidade, uma vez que as penalidades previstas para quem se nega ao teste de alcoolemia não incluem nenhuma ameaça ou violência concreta ao direito de locomoção física dos motoristas – mas tão somente ao uso do automóvel.

O magistrado defende entendimento similar ao adotado pelo desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, ao julgar habeas da mesma natureza, e acrescenta considerar muito subjetivo permitir o uso do bafômetro apenas nas pessoas que estejam visivelmente sob a influência do álcool. “E quem seria o juiz dessa aferição ?”, pergunta em seu despacho, para completar: “Sem esquecer que na diversidade existente entre os seres humanos há os que têm maior ou menor resistência aos efeitos neurológicos e comportamentais do álcool”. Por não vislumbrar ilegal ameaça ao direito de liberdade dos autores do habeas, Romer nega a ordem pleiteada. “Seria extremamente constrangedor que alguém cometesse um homicídio em acidente de circulação, com o salvo conduto da Justiça debaixo do braço”, finalizou o magistrado.

(HC 2008043055-1).

Autor: TJSC

Fonte: http://tjsc5.tj.sc.gov.br/noticias/noticias?tipo=2&cd=17053

Vejamos a decisão:

Habeas Corpus n. 2008.043055-1, de Capital
Imp/Pacien : Luiz Fernando Kremer

DECISÃO MONOCRÁTICA

Luiz Fernando Kremer e Diego Parma impetraram, em nomes próprios, habeas corpus preventivo contra o Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, o Delegado da Polícia Civil e o Comandante Geral da Polícia Militar.

Aduziram que com as modificações introduzidas pela Lei n.11.705/2008 (Lei Seca) ao Código de Trânsito Brasileiro, entre elas ao art. 165 e ao art. 277, os condutores de veículos são obrigados a se submeterem ao teste de alcoolemia (bafômetro), e, em caso de negativa, terão o veículo apreendido, a habilitação recolhida e a aplicação de multa.

Sustentaram que tal situação representa "condenação sumária" aos motoristas, o que ofenderia aos princípios constitucionais da não-incriminação, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência.

Logo, diante da manifesta inconstitucionalidade da norma em comento, afirmaram que estão na iminência de sofrerem coação e constrangimento ilegal, razão pela qual fariam jus os respectivos salvo-condutos para "não serem obrigados a se submeterem à qualquer exame de dosagem alcóolica, no caso de serem submetidos à diligência policial", para serem desobrigados "do comparecimento à repartição policial", para "não terem os veículos e documentos retidos", para que "não seja imposta qualquer multa ou suspensão do direito de dirigir", e, ainda, para "garantir o direito de ir e vir, sem qualquer tipo de constrangimento pela autoridade policial".

É o relatório.

Não desconheço as recentes decisões oriundas deste Tribunal de Justiça nos HC n. 2008.040712-9 e HC n. 2008.041165-4, de relatoria, respectivamente, dos respeitáveis Desembargadores Paulo Henrique Moritz Martins da Silva e Luiz César Medeiros, que em processos análogos, conferiram a ordem liminar; contudo, ouso discordar do entendimento por eles defendido.

Entendo que o instrumento processual utilizado, qual seja, o habeas corpus não é o meio adequado para se assegurar a pretensão dos impetrantes/pacientes, uma vez que a legislação de trânsito, nas hipóteses ventiladas na inicial, não traz nenhuma ameaça ou violação concreta ao direito de locomoção física de alguém, mas apenas de uso do automóvel.

A propósito, o Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, em caso idêntico, recentemente perfilhou esse posicionamento. Em razão da percuciência da decisão, adoto excerto como razão de decidir: Não se olvida que atualmente tem sido admitida a concessão de liminar em sede de habeas corpus, ao teor do que prescrevem os arts.21, incisos IV e V, e art. 191, IV, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Contudo, somente como medida excepcional, e desde que preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, consoante lição de Tourinho Filho, in "Processo Penal", vol. 4, Saraiva: SP, 1994, pg. 471.

Entretanto, no presente caso não restam suficientemente preenchidos os requisitos legais para a concessão do presente writ via liminar. Nos exatos termos ditados pelo inciso LXVIII, do art. 5o, da Constituição Federal, "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Segundo supra mencionado preceptivo constitucional, o habeas corpus é garantia destinada a tutelar a liberdade de ir e vir do cidadão, só havendo interesse de agir quando utilizado para afastar constrangimento ilegal (concreto ou ameaça) à liberdade de locomoção.

Neste desiderato, aliás, as lições de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, o qual afirmam:

"'O pedido de habeas corpus será necessário toda vez que houver uma prisão atual ou simples ameaça, mesmo que remota, de restrição ao direito de liberdade física de alguém. Assim, se pelo teor da impetração, ou das informações prestadas pelo apontado coator, ficar evidenciado que a coação não existe, já cessou, ou sequer pode vir a ocorrer, faltará o interesse de agir pela via do habeas corpus".

Linhas após, ao analisar a adequação, acrescentam:

"Além de necessária, a tutela invocada pela via do habeas corpus deve ser adequada, ou seja, deve haver uma relação entre a situação de ilegalidade que se pretende remover e o remédio utilizado: como já ficou dito, desde a Reforma Constitucional de 1926, no nosso ordenamento o habeas corpus é instrumento exclusivamente destinado à proteção da liberdade de locomoção, ou seja, direito de ir, vir e ficar. As 'Mesas de Processo Penal' concluíram a respeito:

'Súmula n. 94 - Faltará interesse de agir, por inadequação do pedido, se a pretensão não for dirigida à garantia de liberdade de locomoção'.

Assim, deve ser negado o interesse de agir, por falta da adequação,sempre que se pedir o habeas corpus para remediar situações de ilegalidade contra outros direitos, mesmo aqueles que tem na liberdade de locomoção condição de seu exercício, como v.g., o direito de freqüentar templo religioso, de ingressar em determinados locais, etc. Para tais hipóteses adequado, em tese, o Mandado de Segurança, previsto na Constituição justamente para a proteção de 'direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data' (art. 5º, LXIX)" (in Recursos no Processo Penal, 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1998, pág. 350).

Não discrepando deste entendimento, Júlio Fabbrini Mirabete leciona:

"Também falta legítimo interesse quando o pedido de habeas corpus é inadequado à providência que o impetrante pretende obter. Sendo o mandamus meio adequado para se afastar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, não é idôneo para que paciente se livre do pagamento das custas processuais (Súmula 395 do STF); para trancar processo administrativo; para permitir o exercício de atividade que é vista como contrária aos interesses da sociedade; para cancelamento de registros; para obter tratamento médico; para não atender intimação para prestar esclarecimentos na Polícia; para obter restituição de coisas apreendidas etc. Também não se admite o pedido quando não se trata de coação à liberdade ambulatória, mas de simples impedimento de passagem por certas vias públicas, ou de entrada em determinados lugares. Para assegurar outros direitos que não à liberdade de ir, ficar e vir, a medida adequada é o mandado de segurança ou, eventualmente o habeas data." (in Código de Processo Penal Interpretado, 5ª ed., Ed. Atlas, 1997, pág. 835).

Note-se que o remédio constitucional denominado habeas corpus afronta a ilegalidade ou abuso de poder, atual ou iminente, que repercute na liberdade de locomoção do paciente; já o mandado de segurança, protege direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus.

O direito que o ora paciente tenciona proteger é o decorrente defuturas e incertas aplicações de penas administrativas, aplicáveis caso o mesmo se negue a submeter-se ao teste de alcoolemia, vulgarmente denominado de "bafômetro", ou seja, insurge-se contra as penas administrativas a serem impostas ao paciente, caso negue-se a
submeter-se a referido exame.

Todavia, ao analisar detidamente os novos dispositivos inseridos pela Lei n. 11.705, de 19.06.08, mais especificamente o disposto nos arts. 165, 267 e 277, depreende-se que inexiste, entre as penas e penalidades administrativas cominadas ao tipo, qualquer ameaça ou restrição a liberdade de locomoção a seus infratores, senão veja-se:

"Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outras substância psicoativa que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
(...)
Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código.
Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo Federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
(...)
§2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo." (grifou-se).

Da leitura destes artigos, ora objeto da impetração do presente habeas corpus, depreende-se que imputável, ao condutor de veículo automotor que se encontre embriagado, as penas de multa, suspensão do direito de dirigir por 12 meses e medida administrativa consistente na retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado, além do recolhimento do documento de habilitação, ou seja, de todas as penas aplicadas ao caso, inexiste qualquer restrição ao direito de liberdade dos infratores, considerando-se como tal, por certo, o direito de ir e vir.

Apreendido o condutor de veículo automotor, as penas aplicáveis, ao menos administrativamente, serão apenas as retro indicadas, não podendo se falar em restrição ao direito de locomoção dos condutores e, sendo o objeto do presente habeas corpus apenas as penas administrativas, a elas nos restringimos, sob pena de, caso analisar-se o crime decorrente, ingressarmos na competência das Câmaras Criminais deste Sodalício.

Nem se diga, ademais, que em decorrência da apreensão do veículo o paciente ficaria, por certo tempo, ofendido em seu direito de ir e vir pois, a apreensão recai sobre o veículo e, o remédio heróico visa, diversamente, a restrição de liberdade de locomoção de pessoas físicas o qual, in casu, poderá locomover-se andando ou por qualquer outra forma.

Ademais, eventual ilegalidade da exigência do teste de alcoolemia e a eventual ilegalidade da aplicação do §3°, do art. 277, do CTB mais afigura-se com a ofensa a direito líquido e certo do impetrante, mas não ao direito de locomoção, objeto este que é, repita-se, do habeas corpus.

Assim, na hipótese dos autos, a matéria não pode ser conhecida no estreito âmbito do remédio heróico onde, como se viu, se protege a liberdade de locomoção, consubstanciada na fórmula de ir, ficar e vir. Neste desiderato:

"Não estando objetivamente demonstrada a ameaça à liberdade de locomoção do paciente, inexiste constrangimento capaz de encontrar abrigo em sede de habeas corpus preventivo." (Habeas Corpus n. 2006.031548-0, de São José, Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva,j. em 03.10.06).

"O pressuposto do habeas corpus é o risco ou a atualidade de uma coação sobre a liberdade ambulatória da pessoa, sobre sua liberdade física (artigo 5º, LXVIII da CF). Não se conhece do pedido se não há sequer ameaça de ilegítimo cerceamento a tal liberdade' (RTJ 156/869). Precedentes do STF." (Habeas Corpus nº 96.010699-5, de
Itajaí, Rel. Des. Nilton Macedo Machado).

Importante aduzir que, deixa-se de indeferir a inicial pois, conforme se depreende dos autos do HC n. 2008.041165-4, de relatoria do Des. Luiz Cesar Medeiros, houve o deferimento em parte da liminar identicamente aqui postulada, inclusive com citação de precedente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, do que, postergo
esta análise ao Órgão Fracionário o qual componho.

Assim, DENEGO a liminar ante a ausência de um dos pressuposto para sua concessão, qual seja, o fumus boni iuris. No mais, ainda que houvesse adequação no caso, considero que a ressalva, feita no HC n. 2008.041165-4, de que é possível a aplicação das penalidades se os pacientes "aparentarem estar sob a influência de álcool", muito difícil seria aferí-la na prática, pois eminentemente subjetiva. E quem seria o Juiz dessa aferição? Sem esquecer que na diversidade existente entre os seres humanos há os que têm maior ou menor resistência aos efeitos neurológicos e comportamentais do álcool.

Drauzio Varella, no artigo "Lei seca no trânsito", indaga:

Como seria a lei, então? Deveria avaliar as aptidões metabólicas e os reflexos de cada um para selecionar quem estaria apto a dirigir alcoolizado? O Detran colocaria um adesivo em cada carro estabelecendo os limites de consumo de álcool para aquele motorista? Ou viria carimbado na carteira de habilitação?
(www.drauziovarella.ig.com.br)

Ademais, seria extremamente constrangedor que alguém cometesse um homicídio em acidente de circulação, com o salvo-conduto da Justiça debaixo do braço.

Logo, por não vislumbrar ilegal ameaça ao direito de liberdade dos pacientes, denego a ordem.
Oficie-se, com urgência, às autoridades impetradas para que prestem informações.
Após, encaminhe-se os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça.
Intimem-se.

Florianópolis, 25 de julho de 2008.

Des. Vanderlei Romer
RELATOR

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